domingo, 30 de abril de 2006

ESTE PORTUGAL

«Pobre, corrupto, irresponsável e apático, este Portugal não encontra com certeza razão para a sua própria sobrevivência

Última frase do artigo de Vasco Pulido Valente, "HISTÓRIA DE UM FRACASSO", ontem, no Público. De leitura obrigatória, quer se concorde ou não.

ATENTOS AO MERCADO, DISTRAÍDOS DA REALIDADE TSUNAMI

A realidade tsunami é o que eu classifico como aquela realidade que há-de chegar até nós "de surpresa", só que de surpresa só têm o alheamento das pessoas para os "terramotos" que estão acontecendo sucessivamente. E porque as pessoas não querem crer que os "terramotos" acontecem e têm consequências ondulatórias.
O Professor Adriano Moreira, na revista "VISÂO" nº686, no artigo «Guerras Silenciadas», de leitura obrigatória, discorre sobre o comércio de armas ligeiras, e não só. Destaco um pequeno trecho:
«A Revista de Defensa espanhola (Janeiro, 2006), sempre atenta a temas da segurança, designadamente eu­ropeia e mediterrânica, chamou diligentemente a atenção das instâncias políticas responsáveis utilizando um título expressivo: «Guerras sem Titulares», um con­ceito que abrange profundas crises humanitárias e conflitos armados que causam milhares de mortes, mas não recebem cobertura medi­ática, e por isso não despertam a opinião pública do mundo globalizado, mais atento este à problemática do mercado do que aos efeitos dramáticos da infracção das regras de boa conduta.»

sábado, 29 de abril de 2006

CRESCER

«Não receie crescer devagar; Só tenha medo de permanecer imóvel.»

Provérbio chinês.

sexta-feira, 28 de abril de 2006

SOBREVIVÊNCIA

«Não é pois uma tarefa fácil esta da democratização e da moder­nização de um país como Portugal; tanto mais que o mundo atravessa uma situação de crise conjuntural e que cada dia mais se cava o fosso que separa os países ricos e industrializados do Norte dos países pobres e subdesenvolvidos do Sul. Esta linha de demarcação, que Willy Brandt num recente relatório definiu como o próprio critério de sobrevivência para a humanidade do nosso fim de século, não passa somente entre o Norte desenvolvido e o que se chama Terceiro Mundo. Passa também pelo interior da Europa em virtude do persistente atraso que afecta países periféricos tal como Portugal, e em virtude da incapacidade dos membros da Comunidade Europeia em conceberem eficazmente um alargamento. Este último dever-se-ia articular não só com um aprofundamento institucional, mas também com uma política de autêntica solidariedade para com os países e regiões europeias subdesenvolvidas. Alargamento e aprofundamento são uma exigência vital para que a Europa, num mundo dividido pelo confronto das superpotências, se afirme com independência como um lugar de diálogo e um factor de paz, dotado, pela determinação do destino colectivo, de um peso suficiente para afastar definitivamente o perigo de uma catástrofe planetária.»




Mário Soares, in Prefácio a “O Salazarismo” de Jacques Georgel.

FOMOS UM PAÍS DE EMIGRANTES?????

Não. SOMOS um país de emigrantes. Aqui e ali as pessoas vão dizendo que fomos. Erro. Lá por estar a haver muita imigração para Portugal, de que o país tem de cuidar e acautelar, não deixámos de emigrar. Continuamos a ter essa necessidade. Aliás, se houvesse oportunidade, 50% do país emigrava. A falta de esperança começa a levar ao desespero. Não há estratégia na condução do país. Os políticos e as suas políticas são inconsistentes, e os seus exemplos pouco abonatórios. A forma verbal fomos é o pedantismo que algumas pessoas têm de que isto é um país que não está no terceiro mundo. Erro. Estamos e cada vez mais nos inserimos nos parâmetros do terceiro mundo. E como tal só nos resta emigrar para países que ofereçam às pessoas condições de vida razoáveis, coisa que fazemos há já alguns séculos. O que mudou para deixarmos de emigrar?

quinta-feira, 27 de abril de 2006

DE CIRCUNSTÂNCIA

SONETO DE CIRCUNSTÂNCIA

Os semideuses são boxeurs, ciclistas,
Futebolistas ou chauffeurs; e Deus,
Com semideuses tais, deserta uns céus
Que a ninguém, já, lograva dar nas vistas.

Para salvar o mundo, há um rol de listas
De provérbios arianos ou judeus;
Mas ninguém quer ser salvo ! e os vãos trofeus
Bolorecem nas mãos propangadistas.

Aristo, demo-cratas e mais cratas
Vão, de atómicas bombas na algibeira,
Contratar paz com artes diplomatas.

O amor dispensa as setas e a seteira.
E em tal progresso, os Santos da Reacção
Masturbam-se na imensa solidão...


José Régio, in "BIOGRAFIA".

quarta-feira, 26 de abril de 2006

LUISA DACOSTA

«Restavam as palavras. Nelas ia morar. Só elas possuiam a imponderável agitação da asa ou o peso, esmagante, da pedra. Amalgamados, o frémito e a qui­etude, a brevidade e o eterno, que o tempo é lento a comer.»

Luisa Dacosta, in "Corpo Recusado".

Considero Luisa Dacosta "A Grande Escritora". Escrevendo, toca-nos no fundo. O leitor faz parte da amálgama, lendo sensibilidade. Se ainda não conhecem, então corram até à livraria mais próxima. Comecem por todos, e vejam como se pinta bem com palavras em A-Ver-O-Mar.

terça-feira, 25 de abril de 2006

32 ANOS DE OPORTUNISTAS

Ao assalto ao orçamento, delapidando o país. Criou-se, então, uma fauna do pior. Eu julgava que o anterior regime era mau. Hoje, olhando bem, nunca vi tanta falta de honestidade e de carácter nas pessoas. Todos tentam a sua oportunidade de chular o Estado. Uns conseguem-no e os outros têm pena de não conseguir, mas apoiam os métodos, esperando que um dia chegue a sua vez. Os portugueses degradaram-se muito, moralmente. A seguir é a inevitável miséria económica. Mas os portugueses nunca aprendem. Para o ano, mais pobres porque mais delapidados, comemorarão mais um aniversário. Já sem chama, como hoje.

segunda-feira, 24 de abril de 2006

CONHECER O PASSADO

«Querido leitor:

Vais ler um livro que eu hoje teria escrito doutra maneira. Cingido à realidade humana do momento, romanceei um Doiro atribulado, de classes, injustiças, suor e miséria. E esse. Doiro, feliz­mente, está em vias de mudar. Não tanto como o querem fazer acreditar certas más consciências, mas, enfim, em muitos aspectos, é sensivelmente diferente do que descrevi. Desapareceram os patrões tirânicos, as cardenhas degradantes, os salários de fome. As rogas descem da Montanha de camioneta, a alimentação melhorou, o trabalho é menos duro. Também o rio já não tem cachões, afogados em albufeiras de calmaria.
E, contudo, julgo sinceramente que não cansarás ingloriamente os olhos na contemplação do painel que pintei. Conhecer o passado -ajuda às vezes a entender o presente. Só com o sofrimento e o protesto de muitas gerações foi possível a relativa dignificação dos assalariados de agora. E, quando mais não fosse, esses sacrifi­cados merecem a homenagem de uma lembrança. Mas há mais. A recordação do seu martírio será uma lição para senhores e servos. Os primeiros terão no espelho a imagem do que não devem voltar a ser; os segundos, a do que não devem voltar a consentir. Já sem falar na mutação social pretérita e actual. Se certas hierarquias teimam em persistir, os próprios protagonistas fazem o possível por o disfarçar. Tão fortemente sopraram os ventos da História.»


Miguel Torga, in Prefácio à tradução inglesa de “As Vindimas”, 7ª Ed., 1999.



Miguel Torga já faleceu em 1995. Os ventos estão a rodopiar. Se os senhores estudaram a lição, os servos nada aprenderam. Outros martírios virão a ser vividos por servos. Outro escritor, no futuro, contará outra vindima onde, entretanto, os que não devem voltar a consentir terão padecido. O vento sempre rodopia.

domingo, 23 de abril de 2006

NÃO VALE A PENA ESTUDAR, EM PORTUGAL.

Não. Não se assustem. Sou a favor da aquisição de conhecimentos. O mais possível.
O que o título do post quer condensar é o que vou expor. Está-se a constatar que os jovens que se licenciam, por exemplo, estão a ficar com a sensação de perda de tempo em relação aos anos que estudaram. Acontece que, neste país, os responsáveis políticos entendem, e bem, que um país só com 19% de licenciados está longe de poder atingir um bom desenvolvimento. Mas, parecendo ironia, grande parte dos jovens licenciados está desempregada. Ou sub empregada. Sei de casos em que os jovens, para conseguirem um emprego, têm de esconder que são licenciados, porque senão os patrões apressam-se a livrar-se deles. E eles lá estão. Com outros que não acabaram o ensino secundário, mas que levam a vantagem de já estarem há 4 ou 6 anos com tempo de contagem para a reforma. E a ganharem o mesmo. E depois parece que os jovens se desiludem. E dizem que foi pura perda de tempo. E assim se inicia um ciclo vicioso. Porque os mais novos vêm o exemplo, e este não é motivador para eles se esforçarem. E o país não adquire, nem tão depressa, massa crítica capaz e suficiente para se desenvolver.
E ainda há pior. É que um licenciado é visto pelos outros trabalhadores como uma ameaça, ou abcesso, pelo que fazem uma blindagem em seu torno, tentando nivelar por baixo, que é o nível aonde se conseguem movimentar. E quando o chefe é imbecil, ignorante e pedante, essa blindagem funciona a contento de todos. Os licenciados mais novos estão a aperceber-se que a ignorância é premiada em detrimento da agilidade mental. Com menos de 30 anos só têm um caminho. Fugir de Portugal.

LENDO UNAMUNO

"Desde Portugal" é um texto onde Miguel de Unamuno nos elucida como conhecia tão bem Portugal, os portugueses, e de como podemos constatar que nada mudou em nós.

REFLEXÃO

Sobre o estado da situação pode-se ler aqui o que pensa António Barreto, hoje, no Público.
Por favor, leiam.

PUEBLO SUICIDA

Enquanto tentava encontrar a outra frase, para Jorge Rojas, no original castelhano, encontrei, do Miguel Unamuno, um texto muito interessante intitulado "Un Pueblo Suicida".
Pode ser visto aqui
Vou continuar a ler o Unamuno.

sábado, 22 de abril de 2006

PORTUGUESES LLORONES

Hoje estou sem tempo. Mas para não falhar, aqui fica um mimo.
Serrano Suñer a Hitler em Berlim, no mês Setembro de 1940 nas preparatórias do encontro de Hitler com Franco.
"A las ya existentes pretensiones de España, Serrano Súñer reiteró la necesidad de someter a Portugal a una alianza subordinada. «A pesar del disparate geográfico que supone la existencia de Portugal» - declaró com arrogancia - , España declinaba adueñarse de él y de los siete millones de «portugueses llorones»."
Paul Preston, in "Franco «Caudillo de España»"

sexta-feira, 21 de abril de 2006

UNAMUNO

Tinha prometido ao Jorge Rojas a frase de Miguel Unamuno.

«E julgais que a troça de Eça de Queiroz, das suas implacáveis sátiras, não são tão dolorosas e tão queixosas como a elegia mais plangente?»

Miguel Unamuno , in "Por Terras de Portugal e de Espanha".

quinta-feira, 20 de abril de 2006

30 DINHEIROS

Este post só é legível nos Açores

ESTRATÉGIA NACIONAL (a falta de)

Todos os meus post têm tido em linha de conta a questão da falta de estratégia nacional. Um amigo perguntou-me onde via eu essa falta. Vamos por áreas.
Comecemos pela Justiça. Como está inoperante, é causadora de injustiças. E por ser inoperante semeou o caos na vida nacional. Se na relação das pessoas ela é crucial, a sua inacção na economia gera a desconfiança empresarial e suscita o desinvestimento. No fundo bloqueia a dinâmica da economia.
Educação. Que deveria ser Instrução Pública. É uma área à deriva. Sujeita a uma reforma constante, mas de medidas avulsas, encontra-se refém de interesses corporativos, da ignorância instalada e da incapacidade deliberativa.
Relações externas. Uma área em catalepsia. Sem bússola não tem rota. Não atraca. Passa sempre ao largo. E muitas vezes nem sequer percebe que está ao largo.
Economia. A área que nos traz a todos, actualmente, na desesperança. Uma jovem professora de História, no meu 5º ano, disse que os portugueses eram ciganos, pois enquanto pudessem mercar não produziriam. Não pretendo dar lições de economia a ninguém. Mas meditem nisto e tentem entender o percurso da economia portuguesa. Comprar aqui e vender ali. O sonho do emigrante é voltar à terra e montar um negócio seu, de comprar e vender com lucro sem nada produzir. Os nossos grandes empórios económicos ainda hoje funcionam assim. Que estratégica económica temos, em que vertentes?
As restantes áreas, saúde, cultura, defesa, obras públicas, emprego, dependem do sucesso e bem-estar “sanitário” das anteriores.
Por isso entendo que não temos estratégia nenhuma para o país. Andamos ao Deus Dará. Sempre à espera de um milagre ou de um D. Sebastião. Qualquer coisa que nos tire do sufoco, para onde nós próprios nos mandámos. Numa ânsia de alcançarmos o Éden, suportamos e apoiamos qualquer aventureiro inábil, numa atitude canalha de também tirarmos vantagem. E depois, lá vamos todos para os fóruns das rádios dizer mal dos políticos. Nós portugueses …

quarta-feira, 19 de abril de 2006

LIVRO

«Este livro tem de ser egotista. Trata de certos assuntos para mim importantes e trata de mim mesmo, pois só posso tratar desses assuntos tal como me afectaram. Mas não trata dos meus actos. Não desejo abrir o meu coração, e ponho limites à intimidade que desejo se estabeleça entre mim e o leitor. Há assuntos que me é grato conservar pri­vados. Ninguém pode dizer toda a verdade a respeito de si mesmo. Não foi unicamente a vaidade que evitou que aqueles que pretenderam revelar-se ao Mundo dissessem toda a verdade; foi a direcção de seu interesse; o desa­pontamento de si mesmos, a surpresa de que pudessem fazer coisas que lhes pareciam tão anormais, levaram-nos a dar maior evidência a coisas que são mais comuns do que supõem. Rousseau, nas suas Confissões, narra incidentes que chocaram profundamente a sensibilidade dos homens. Descrevendo-os tão francamente, falsificou-lhes o valor e portanto deu-lhes no seu livro maior importância do que tiveram na sua vida. Casos havia entre uma multidão de outros, virtuosos ou pelo menos neutros, que omitiu, porque eram demasiado vulgares para parecerem dignos de men­ção. Há uma espécie de homens que não dão importância às suas boas acções por estarem atormentados com as más. Esse é o tipo que geralmente escreve sobre si mesmo. Passa por alto as qualidades que o redimem, aparecendo-nos apenas fraco, sem princípios e vícioso.»
W. Somerset Maugham, in "Exame de consciência".

terça-feira, 18 de abril de 2006

GUERRA

«O que todos, todos puderam sentir nesta guerra foi a sua infinita capacidade de misérias.»


Jaime Cortesão, in "Memórias da Grande Guerra"

segunda-feira, 17 de abril de 2006

DEPUTADO SERVE PARA QUÊ?


Já há dias eu disse (post de 9.04.2006) que Portugal não era um país democrático. Esta história da falta de deputados, na semana passada, que assinaram o livro de presenças, para além de confirmar estas minhas divagações, também deveria levar os cidadãos portugueses a reflectirem sobre o préstimo dos deputados. E fazerem a seguinte pergunta em voz alta: "Mas afinal um deputado serve para quê?" Óbviamente que, no sistema português, serve para nada. Não tem opinião. Quem tem opinião é o directório do partido a quem eles obedecem cegamente. Cegamente não, acéfalamente. Como não têm opinião, e nem sequer têm liberdade de voto, a sua existência no parlamento é um exercício inútil. E é por saberem isso que só lá vão assinar o registo de ponto para receberem os seus suados honorários. De resto estava aqui a pensar se me lembrava de algo útil que eles façam e não me lembro, não vislumbro, não noto nada de realce. Mas calculo quanto é que os portugueses têm de pagar para sustentar a ociosidade deles, mesmo que para isso se tenham de privar de coisas essencias que o Estado lhes retira para que nada falte de mordomias aos senhores deputados, essas brilhantes inteligências de Portugal. Depois admiram-se do estado a que Portugal chegou.

domingo, 16 de abril de 2006

ILHA

Hoje, algures pelo meio de uma ilha.

DES DITOSA

A PORTUGAL



Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.
Nem é ditosa, porque o não merece.
Nem minha amada, porque é só madrasta.
Nem pátria minha, porque eu não mereço
A pouca sorte de nascido nela.

Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
quanto esse arroto de passadas glórias.
Amigos meus mais caros tenho nela,
saudosamente nela, mas amigos são
por serem meus amigos, e mais nada.

Torpe dejecto de romano império;
babugem de invasões; salsugem porca
de esgoto atlântico; irrisória face
de lama, de cobiça, e de vileza,
de mesquinhez, de fátua ignorância;
terra de escravos, cu pró ar ouvindo
ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;
terra de funcionários e de prostitutas,
devotos todos do milagre, castos
nas horas vagas de doença oculta;
terra de heróis a peso de ouro e sangue,
e santos com balcão de secos e molhados
no fundo da virtude; terra triste
à luz do sol calada, arrebicada, pulha,
cheia de afáveis para os estrangeiros
que deixam moedas e transportam pulgas,
oh pulgas lusitanas, pela Europa;
terra de monumentos em que o povo
assina a merda o seu anonimato;
terra-museu em que se vive ainda,
com porcos pela rua, em casas celtiberas;
terra de poetas tão sentimentais
que o cheiro de um sovaco os põe em transe;
terra de pedras esburgadas, secas
como esses sentimentos de oito séculos
de roubos e patrões, barões ou condes;
ó terra de ninguém, ninguém, ninguém:
eu te pertenço. És cabra, és badalhoca,
és mais que cachorra pelo cio,
és peste e fome e guerra e dor de coração.
Eu te pertenço mas seres minha, não

JORGE DE SENA

HIPISMO

O COTEJO

Com a devida vénia, transcrevo do blog "ABRUPTO" este excerto lá publicado em 14.04.2006:


«Num debate organizado pelo Clube dos Jornalistas na 2 com os correspondentes estrangeiros em Portugal, para comparação das agendas dos órgãos de comunicação social nacionais e internacionais, todos eles se referiram à perplexidade que lhes causa o papel absurdo que o futebol tem em Portugal. Seria impensável, dizia um deles, que as eleições para a direcção de um clube desportivo, abrissem um telejornal, e um caso como o do “apito dourado” dificilmente teria a politização que cá tem e a correspondente cobertura comunicacional. É mesmo impensável que no Reino Unido, tão apaixonado pelo futebol, existissem diários desportivos como em Portugal (não há nenhum, está em criação um). Numa semana em que, mais uma vez, Portugal foi a Futebolândia, com horas obsessivas diante dos ecrãs todos, com uma média de quatro telejornais a abrirem com cada jogo individual, antes e depois do jogo, não contando as inúmeras vezes em que o mesmo jogo volta no interior do mesmo noticiário. A Futebolândia é um dos melhores retratos do nosso subdesenvolvimento.»

sábado, 15 de abril de 2006

NO PAÍS DOS SACANAS

Que adianta dizer-se que é um país de sacanas?
Todos os são, mesmo os melhores, às suas horas,
e todos estão contentes de se saberem sacanas.
Não há mesmo melhor do que uma sacanice
para poder funcionar fraternalmente
a humidade da próstata ou das glândulas lacrimais,
para além das rivalidades, invejas e mesquinharias
em que tanto se dividem e afinal se irmanam.


Dizer-se que é de heróis e santos o país,
A ver se se convencem e puxam para cima as calças?
Para quê, se toda a gente sabe que só asnos,
ingénuos e sacaneados é que foram disso?


Não, o melhor seria aguentar, fazendo que se ignora.
Mas claro que logo todos pensam que isto é
o cúmulo da sacanice,
porque no país dos sacanas, ninguém pode entender
que a nobreza, a dignidade, a independência, a
justiça, a bondade, etc., etc., sejam
outra coisa que não patifaria de sacanas refinados
a um ponto que os mais não são capazes de atingir.


No país dos sacanas, ser sacana e meio?
Não, que toda a gente já é pelo menos dois.
Como ser-se então nesse país? Não ser-se?
Ser ou não ser, eis a questão, dir-se-ia.
Mas isso foi no teatro, e o gajo morreu na mesma.


JORGE DE SENA

sexta-feira, 14 de abril de 2006

À DERIVA

«Hoje, com outro espírito, e uma situação social muito diferente, sem ideologias nem utopias. Os estudantes vivem uma existência cada vez mais difícil, afunilada pela ausência de possíveis, tendo como único horizonte uma Europa à deriva onde há pouco espaço para sonhar. (…) Os de 68 vivam os possíveis sem poder expressá-los: por isso Maio rebentou. Os de 2006 exprimem-se para poder inventar os possíveis de que não têm nenhum modelo.»


José Gil, França: que mal-estar?, in "Visão", nº684.

PORQUE NÃO SE REVOLTAM OS PORTUGUESES DA OPRESSÃO DA MEDIOCRIDADE?

Só faço a pergunta. Nem quero ser eu a dar a resposta. Pelo menos hoje, pois estou muito negativo, vitima de medíocres.

DE OUTROS TEMPOS

«Há um derrotismo que se alimenta das vésperas. De outros tempos. Aqueles que nenhum de nós viveu e de que não restam vestígios. Tudo foi, por então, cheio de justiça e de abundância. Homens diferentes. Têmperas de excepção.»

Adriano Moreira, in "Tempo de Vésperas".

quinta-feira, 13 de abril de 2006

SEM ESTRUTURAS, TRAGÉDIA

«ADVERTÊNCIA

Por razões estranhas ao normal desenvolvimento do País, Portugal, nas primeiras décadas do século XIX, viu-se obrigado a adoptar um figurino institucional sem que existissem as estruturas económicas, sociais, políticas e culturais indispensáveis para a sua implantação e funcionamento.
Como consequência, formou-se uma sucessão de mitos, gerados uns pelos outros, substituindo, na prática, as ideologias.
Entretanto, os grupos oligárquicos, que monopolizaram o Poder, promoveram e alimentaram uma permanente falsificação da História, geradora da ficção política, em que a grande massa da população, em estado de menoridade, viveu durante 156 anos.
Nisto consistiu a "Tragédia Portuguesa".»
Jorge Babo, in "A Tragédia Portuguesa".

quarta-feira, 12 de abril de 2006

PORTUGAL REFÉM DO DISCURSO "DO QUE JÁ FOMOS"

Há um discurso constante desde o Presidente de Qualquer Junta de Freguesia até ao Presidente da República, qualquer que ele seja, que mais não faz do que exaltar os portugueses antigos. Dizem que já fomos grandes, que demos novos mundos ao mundo, que transportámos por esses mares fora intercâmbios de cultura, etc. Grande erro. Os portugueses dessa época são os que fizeram essa gesta, não os de hoje. E depois não falam nada do que somos nem da esperança de virmos a ser. Só vislumbram feitos passados, e não são capazes de projectar o que se há-de fazer. É o desalento e o desencanto. Se eles nada sabem, se não têm capacidade para fabricar um sonho e incentivar empenho, quem há-de ter esperança?
Do post anterior, a frase «o ter sido não justifica sem mais o ser e o dever-se» foi a introdução para esta divagação. Não se pode ficar estático no fluir do tempo a olhar e rememoriar um passado, que consome o país ressequindo-o, inibindo a inovação e soluções reais para esta época, porque ancorados a comparações de feitos só inteligíveis, agora, na literatura epopeica. Temos de encontrar o caminho actual e não seguir as veredas de então. E também porque somos um povo pequeno, como bem viu Ferreira de Castro (vide post ENTENDIMENTO, de 29.04.2006).

A HISTÓRIA ACONSELHA

«Por si só, a história aconselha mas não decide, por várias razões, a começar nesta muito simples e óbvia: o ter sido não justifica sem mais o ser e o dever-se.»

Joaquim de Carvalho, in "Obra Completa".

Continuarei a divagar amanhã com Joaquim de Carvalho. E por causa de estratégia.

terça-feira, 11 de abril de 2006

RECONHECIMENTO

«Mas, se não reconhecermos e confessarmos francamente os nossos erros passados, como poderemos aspirar a uma emenda sincera e definitiva?»

Antero de Quental, in "causas da decadência dos povos peninsulares" (edição da Ulmeiro)

segunda-feira, 10 de abril de 2006

PORTUGAL NÃO É UM PAÍS DEMOCRÁTICO.

Portugal não é um país democrático porque os cidadãos não são livres de escolher os seus representantes e, consequentemente, de responsabilizar os seus representantes. Os portugueses estão sujeitos a uma ditadura dos directórios partidários. São os directórios que escolhem as pessoas que integram as listas sujeitas a sufrágio. Os cidadãos não votam em pessoas mas em siglas e símbolos partidários. Assim, os “eleitos” não respondem perante os cidadãos mas sim perante os directórios políticos. É a esses directórios que se sujeitam, obedecem cegamente, e de forma acéfala, com o fim de obterem, e manterem, prebendas e mordomias. Repare-se quando os líderes parlamentares usam a expressão «dar liberdade de voto». Só se dá liberdade a quem não a tem. Logo os que se intitulam representantes do povo, não o são porque estão presos a decisões e esquemas não ditados pelos cidadãos. Esta democracia não passa de uma encenação em que se finge haver eleições de pessoas que, na realidade, são nomeadas por directórios ditatoriais, com o fim de levarem a bom termo o que lhes interessa pessoalmente e a quem os suportam. Como está à vista, o interesse do país, do colectivo, é aquilo que eles menos cuidam, ou melhor, não cuidam nada. Cuidam-se.

domingo, 9 de abril de 2006

Vítimas, e legítimas.

O António Barreto explica hoje, no “Público”, em Retrato da Semana, como somos vítimas, mas com homologação constitucional.
Destaco:

«É confusa e palavrosa. Metediça e pretensiosa. E, sobretudo, virtuosa. Tudo o que se diga dela é pouco. Estabeleceu um sistema eleitoral detestável. Deu solidez à partidocracia. Garantiu a dualidade de poderes do governo e do Presidente. Prometeu direitos inéditos e irrealizáveis. Não hesitou em oferecer a sociedade sem classes!
(…)
Pelos vistos, as más soluções têm virtualidades. O caso não é único. O capitalismo português é rasca e o socialismo português é de opereta, mas melhores do que o paraíso obtuso que a própria Constituição desenha. A Constituição, ela própria, nem sempre se faz respeitar, o que acontece por exemplo com a organização do Estado. Ou com a gratuitidade da saúde e da educação. Mas a consequência destes factos não é agradável. Chama-se resignação. Ou impunidade. É como viver bem com coisa má.»

A VÍTIMA

A propósito do tabaco, também ouve referências ao álcool. E justas. E porque a falta de estratégia nacional também se aquilata, como já referi em post anterior, pelo comportamento cívico na estrada, volto ao tema. E pela vitima. Quantos já não ouviram relatos de sentenças de dois anos com pena suspensa atribuída a um indivíduo por, estando embriagado, ter atropelado um cidadão que faleceu em consequência do atropelamento. Mais uma vez o irresponsabilizar o cidadão gera consequências graves. O cidadão sabe que pode embriagar-se, que a partir daí passa a irresponsável. E quanto mais embriagado, melhor. Os juízes apreciam mais. Só que há sempre vítimas. E famílias e amigos. É muita gente destroçada para um imbecil continuar a embriagar-se. Há várias pessoas em Portugal que são reincidentes, e quase que são vistos como heróis. Se é que não são mesmo. Há meses atrás vi, num noticiário, um jovem que foi julgado por conduzir sem ter habilitação própria e válida para o fazer. À saída do tribunal, pois não ficou preso, foi recebido com um entusiasmo delirante pela família e adeptos. Um herói. São estes os heróis, hoje, de Portugal. Ainda não são estes os condecorados, mas lá chegaremos. Não são menos do que muitos que vi serem condecorados.
E as vítimas. Se morrem, enterram-se. Se não massacra-se com tanta burocracia e tanta audiência, o que leva alguns a preferir terem morrido. Da vítima ninguém fala. Ninguém se preocupa com o seu bem-estar e com a sua capacidade de prosseguir a sua vida com normalidade. Preocupam-se é com o bem-estar dos agressores. Se estão bem confortáveis e se não são muito incomodados. Preocupam-se com a prisão preventiva. Eu também. É injusto uma pessoa levar anos presa para depois ter sentença de inocente. Mas quando há agressão confirmada com vítima molestada? Por isso é que há crianças que há 15ª sova, morrem.
A vítima é alguém necessário aos politicozinhos, para que possam então derramar as suas preocupações e actuações sobre como safar, legalmente, os bandidos. Enfim, compadrio.
A vítima não é só a da estrada. É todo o cidadão que é alvo de agressão, quer seja de outro cidadão, como seja do Estado, dos partidos políticos, das organizações benfeitoras que se aliam ao Estado para as espoliar, etc. O cidadão honesto, integro e cumpridor, em Portugal, só pode ser vítima.

sexta-feira, 7 de abril de 2006

Os MITOS (e mesmo a propósito dos post's de hoje)

«Alguns [perigos] têm natureza episódica, e resultam precisamente da mitologia da época, e da entrega excessiva que lhe fazemos. Outros são consequência das atitudes dos Portugueses, e das suas características. Oportunismo, falta de sentido crítico, a já sublinhada ausência de autonomia mental, espírito utilitarista, obsessão com o imediato, carácter facilmente impressionável e influenciável, recusa a sacrifícios.» A que acrescenta « ... ou retornamos às raízes e retomamos o nosso destino – ou seguimos pelo caminho de Bizâncio – substituindo os factos nossos pelos mitos dos outros.»

Franco Nogueira, in "Juízo Final"

Tá tudo burro?

Há pouco, na TSF, naqueles programas onde a malta bota faladura, ouvi alguém dizer que o estado devia auxiliar, ajudar as pessoas para deixar de fumar. PASSEI-ME. Tá tudo burro? O estado tem de tratar de tudo ao cidadão? Até do controlo da vontade? Passei-me. Deixei de fumar há 16 anos e não fui pedir nada ao estado, nem para me devovlver os impostos sobre o tabaco que paguei. Somos um povo imbecil? Eu já começo a duvidar de tudo.

Ainda não se pagou ao CERN?

Fui informado por amigo meu da Net, o grande Noise, que, apesar do Estado Português não pagar o que é devido como membro do CERN, a Direcção do CERN mantêm os cientistas portugueses, porque considera o seu trabalho indispensável.

Mas recordo aqui:


Notícia saída no Público em 28 de Setembro de 2004:

«Portugal não está a cumprir os acordos financeiros com o Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN), na Suíça. Não paga as quotas anuais, como devia fazer por ser um dos 20 países-membros.Não paga às equipas portuguesas para construírem componentes de duas experiências do futuro acelerador de partículas da Europa - o Large Hadron Collider (LHC), o mais potente do mundo, que deverá funcionar em 2007. E não paga as verbas dos projectos de investigação ligados ao CERN, através de concursos abertos em Portugal pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Nos 18 anos de adesão, nunca se viveu uma situação assim, diz a física Paula Bordalo, nas vésperas do CERN cumprir 50 anos de vida. Os incumprimentos podem ter várias consequências, alerta a professora do Instituto Superior Técnico (IST) e investigadora do Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP), em Lisboa. Para já, Portugal vai ter de pagar juros pelas quotas em atraso de 2003. Caso não sejam pagas também as quotas de 2004 até ao fim do ano, o país perderá o direito de voto no Conselho do CERN, o órgão de decisão máxima. É o que acontece quando se falha o pagamento por dois anos. A humilhação nem será o pior. "O não pagamento das quotas traduz-se numa consequência mais grave: a impossibilidade das indústrias portuguesas participarem em concursos do CERN para projectos de construção e manutenção das suas infra-estruturas. Nestes concursos, Portugal tem obtido um grande retorno do investimento", diz a investigadora. "Tirando a parte humilhante, há a parte económica, que devia alertar o Governo." A adesão de Portugal ao CERN, em 1986, permitiu às empresas concorrer em vários domínios. "Para a construção do futuro acelerador LHC, Portugal tem tido um retorno económico muito positivo. Várias empresas têm sido contratadas, nas áreas da engenharia mecânica e metalúrgica, novas técnicas de soldadura ou informática." No acordo de adesão, Portugal teve condições vantajosas. Em vez de pagar a quota integral, em 1986 só pagou dez por cento e investiu o restante em Portugal; em 1987 só pagou 20 por cento e investiu 80 por cento e assim por diante, até 1995, em que já pagou a totalidade. Comprometeu-se a gastar o dinheiro das quotas em infra-estruturas, na formação de recursos humanos e no apoio à participação em projectos de investigação e desenvolvimento. Assim, criou-se o Fundo CERN, para abrir todos os anos um concurso para projectos de investigação, explica Paula Bordalo, coordenadora do grupo português em duas experiências, a Compass e a NA50. Com essas verbas, as equipas pagam as despesas de participação nas experiências, como deslocações para recolher dados e fazer testes no CERN, ou para reuniões com todos os participantes. "As reuniões são fundamentais. Temos de ouvir o trabalho dos outros grupos e os outros têm de ouvir o nosso, senão somos postos de parte." Estas verbas contribuem ainda para um fundo comum de cada experiência, do qual se compra de material. "Este ano não pingou um tostão" "Todas estas verbas estão a faltar. sem dinheiro, não podemos assumir compromissos." Há dias, Paula Bordalo recebeu um E-mail do responsável geral da Compass a perguntar quando pagava a contribuição de 2004 para o fundo comum da experiência. "Para um estrangeiro, é inconcebível que, no último quadrimestre do ano, ainda estejamos à espera de receber as verbas dos orçamentos desse ano e cuja atribuição foi oficializada." De facto, em Setembro ou Outubro, abre o concurso Fundo CERN relativo ao ano seguinte. Avaliados os projectos, por peritos internacionais, e divulgados os resultados pela FCT, as equipas costumam assinar os contratos em Janeiro e, aí, recebiam metade das verbas. Entre Junho e Outubro, recebiam mais 40 por cento e, após o fecho das contas, recebiam, entre Janeiro e Março do ano seguinte, os restantes dez por cento. Os problemas começaram em 2002: nenhuma equipa recebeu os últimos dez por cento, denuncia Paula Bordalo. "A FCT não cumpriu o compromisso e não sabemos quando pagará o que falta." Para o concurso de 2003, só em Março ou Abril desse ano a FCT divulgou a avaliação: "E apresentou o contrato com a limitação de não poder ser retroactivo a Janeiro, contrariamente ao que o edital de Setembro anunciava", diz. "A investigação não se pode fazer em 'part-time'. Não pode parar três a quatro meses, em que se deve continuar a colaborar com os colegas estrangeiros e continuar com os recursos humanos (estudantes de doutoramento ou pós-doutoramento). Tivemos de suportar um buraco orçamental de três ou quatro meses." Só uma parte das equipas recebeu a segunda prestação de 2003. "Tudo indica, por haver pagamentos em atraso, que não será tão depressa que receberemos a última prestação." O concurso de 2004 não correu melhor. "O painel de avaliação só reuniu em Março!" Desde Junho, quando se divulgaram os resultados, com cortes de 30 por cento face a 2003, que as equipas esperam receber o contrato final. "Este ano não pingou um tostão. A situação está a tornar-se insustentável. É impossível dar continuidade aos projectos." Jovens portugueses, a analisar dados das experiências para as teses de doutoramento, não puderam apresentar os resultados em conferências internacionais. "O trabalho que desenvolveram foi apresentado por outros. É uma pena", diz Paula Bordalo, perguntando para que serve gastar dinheiro no CERN se depois os cientistas não podem exercer as suas actividades normais. O mesmo lamenta o físico João Seixas, do IST e coordenador do grupo português na experiência NA60. "A situação está a tornar-se crítica. Se o financiamento não chegar até ao fim do ano, haverá impossibilidade efectiva de continuar a trabalhar. O que é lamentável, ao fim de três anos de trabalho intensivo", alerta. "Politicamente, a ministra da Ciência tem de dar uma solução. O ministério anda sempre a dizer que tem mais dinheiro para a ciência, para os bolseiros. Não vejo aonde", critica Paula Bordalo. »

Espírito científico

«As ligações entre o espírito e a democracia são mais estreitas do que por vezes se pensa e o elo comum é precisamente a importância que ambos atribuem à discussão libérrima, que se opõe ao conceito de autoridade»

Bertrand Russel, in "Realidade e Ficção"

quinta-feira, 6 de abril de 2006

Álibi democrático

«A informação, contudo, é simplesmente uma forma imperfeita de participação. Pode mesmo servir por vezes de álibi democrático a uma gestão autoritária. O essencial continua a ser o acesso directo dos cidadãos às responsabilidades que lhes dizem respeito, e trata-se de evitar, em todas as possibilidades, como Brecht diz num dos seus poemas, que o povo «seja eleito por um comité directivo...»»
Jean Pierre Lassale, in "Introdução à Política"

E de Espanha

Também vêm bons exemplos. Lá têm estratégia nacional integrada por todos os partidos políticos. Em Portugal é que não há estratégia. Temos uns partidozitos que satisfazem os interesses que os mantêm, por forma a que alguns da militância partidária possam ficar alarvemente satisfeitos, e os outros restantes continuem a pensar que um dia poderão aguardar a alcançar a manjedoura. E o país continua, actualmente já sedado e imbecilizado, a rumar para o seu fim inglório ou exíguo. Alguns ainda acreditam que “ainda vai cumprir o seu grande ideal”. Mas eu não sou crente desses credos.
Num artigo de Teresa de Sousa, intitulado, “Fazer melhor com menos recursos” publicado em 04.04.2006, no jornal “PÚBLICO”, afirma ela o seguinte: «A conclusão é mais ou menos óbvia: não se trata de falta de recursos, trata-se de recursos esbanjados, muitas vezes sem critério, sem exigência de resultado, gastos para satisfazer determinados grupos.» O artigo é para se ler na totalidade. Aborda estudos e estatísticas dos desempenhos dos países da União Europeia e faz comparações entre Portugal e os outros países da Coesão, Espanha, Grécia e Irlanda. Vale a pena ler.

Mas a Espanha, mesmo aqui ao lado, e com tão bom desempenho, não suscita nenhuma questão no espírito dos portugueses? Começou com a democracia sensivelmente com Portugal. É certo que em 1975 estava um pouco melhor do que Portugal em termos económicos. Entrou no mesmo dia na CEE. Mas a Espanha é estável e sabe o que quer e para onde vai. Como já disse, tem estratégia nacional. Se não me falha a memória vai no seu quinto governo constitucional pós 1975. E como, normalmente, os governos fazem duas legislaturas, este é o terceiro primeiro-ministro com respectivo governo. Por cá já os portugueses perderam a conta ao número do actual governo, fartos das trapalhadas e das peripécias dos governos e dos partidos. E ninguém é responsabilizado pelo desastre onde Portugal mergulhou. Um governo pode alegremente destruir a economia e as finanças de um país, ou governos sucessivos, que nada acontece, só muita gente enriquece. E pronto. Em Portugal é assim. Um défice de 6%? A alegria do ministro. Responsabilidade de se ter chegado aqui? Trinta anos de amadorismo ou inabilidade dos partidos, ou …? Quem se interessa? Uns vão bem outros mal, reza a canção de alguém que neste momento não lembro.
Mas em Espanha a coisa vai francamente melhor. E os Espanhóis até têm orgulho na sua Espanha. E vão tomar o espaço de Portugal. Não é por mal. Como já em anterior post disse, nós vamos abandonando. Eles, como é lógico, vão ocupando. A agricultura não dá? Mas com empresários espanhóis resulta. As pescas? Também. O turismo? Também. Até parece que têm o toque de Midas. Ah! Estes portugueses. O senhor A. B. Kotter, personagem dos Bilhetes de Colares, tinha uma mãe [espero que a senhora ainda seja viva, :):) ], que num dos bilhetes disse, e cito de cor: «Os portugueses foram-se com as Descobertas. Os que cá ficaram foram os coxos, marrecos e amparos de mãe.» Quando antes a senhora tinha afirmado, e cito de cor: «O 25 de Abril não passou de um levantamento de rancho». Este bilhete foi publicado no “Semanário”, mas não me lembro da data.
O que é certo é que quando passamos a fronteira para Espanha sentimos de imediato que damos um passo qualitativo, e que quando regressamos ficamos bastante deprimidos. Os Amigos de Olivença ainda querem o quê? A mim parece-me que os que ficaram cá deste lado estão todos com inveja de Olivença, e gostariam de se passar para o outro lado da fronteira. Já que a nossa sina é a emigração hemorrágica, podíamos emigrar com o país todo para lá.
Pois, eu sei, eles não estão para nos aturar. :(:(:(:(:(
E repito. De Franco Nogueira, "Juízo Final"

Ávidos

«Tal como uma mulher que se maquilha antes de ir a correr para o seu primeiro encontro, o mundo, quando vem ter ao nosso encontro no momento do nosso nascimento, já se encontra maquilhado, mascarado, pré-interpretado. E os conformistas não serão os únicos a deixarem-se iludir por ele; os outros rebeldes, ávidos por se oporem a tudo e a todos, não se aperceberão até que ponto eles próprios são obedientes; não se revoltarão senão contra aquilo que é interpretado (pré-interpretado) como digno de revolta.»

Milan Kundera, in "A Cortina"

quarta-feira, 5 de abril de 2006

O Sujeito Lírico

«A poesia constrói intermédios, onde o sujeito lírico cava a sua própria indeterminação, criando um sistema de tensões "entre " real e sonho, verdade e mentira, que impede qualquer conserto concertado entre estas polaridades.»
Isabel Pires de Lima , Concertos/Desconcertos, in "Identidades no Feminino"

Em entrevista

Ontem. Em Por Outro Lado. António Lobo Antunes. Usou a expressão «com amor e muita inteligência dos sentidos».
Falou pouco da guerra colonial.
Ninguém quer falar.
Os antigos combatentes estão esquecidos. O que diz muito de um país que assim trata os seus ex-combatentes. Vão ser todos lembrados quando já não houver nenhum vivo. Aí o palavrório vai jorrar grandiloquente. Enquanto vivos o poder político ignora-os diletantemente. Mas é tudo lógico. Quem cala consente. E consente-se a classe política que temos. Depois sofremo-la.

terça-feira, 4 de abril de 2006

DESAPARECIDOS

Estou muito verde em informática. E estou simples autodidata a fazer este blog. E lá consegui pôr aqui uma iniciativa de PORTO XXI sobre crianças desaparecidas. Lá no site deles ou da PJ há mais informações. Há pouco ouvi uma frase interessante numa série a dar no Canal FOX: «Ninguém pode deixar de viver no seu tempo.»

A ausência de estratégia nacional visível no comportamento civíco (II)

E tudo isto porque faltou uma estratégia nacional de actuação para cultivar o civismo. Sob o mote desta frase do post anterior, vou agora continuar ainda na estrada. O comportamento dos portugueses na condução diz muito da sua cultura cívica. Conduzem com agressividade, como se fosse na estrada que dissolvem as suas frustrações. São agressivos de uma forma cobarde para imporem uma firmeza que no dia a dia, fora do carro, não conseguem ter e nem sequer mostrar. São criativos na linguagem, pois até conseguiram inventar uma linguagem gestual própria, com a qual conseguem comunicar entre veículos, de forma a expressar alarvemente a consideração que nutrem uns pelos outros, bem como serve para identificarem-se e caracterizarem-se. Uns perfeitos asnos no seu melhor que têm uma interpretação própria dos códigos e das sinalizações de trânsito internacionalmente adoptadas. Qualquer sinal de trânsito em Portugal é para transgredir. Sinal de proibido estacionar? Em Portugal é estacionar. As autarquias vêem-se obrigadas a colocar “floreiras” de betão, ou pilares unidos com correntes, para fisicamente impedirem o estacionamento, pois os portugas são incapazes de respeitar qualquer sinal. É típico da cultura cívica do portuga. Poderia continuar aqui por mais duzentas páginas que não me faltaria matéria sobre o péssimo comportamento dos portugas na estrada, os tais que não podem ter nenhum veículo à frente sem que lhes dê uma gana incontrolável e doentia de ultrapassar.
Na realidade a tal desresponsabilização, a que já me referi, traduziu-se num desastre de inversão de valores, de prioridades e de conceitos. Um bom exemplo é a de uma avó, que a propósito do atraso do pagamento do rendimento mínimo ou de reinserção social, ameaçava o governo, através da televisão, de que iria tirar os netos da escola porque tinha contas para pagar da luz, água, TV CABO. Oh, Yes. Eu só coloco aqui este exemplo, para que se tenha uma percepção do que a generalidade dos portugas pensa do estado, do ensino e do que os portugueses devem ser obrigados a aturar e a sustentar. Eu sei que cada caso é um caso. Mas de tudo o que já tomei conhecimento, deixa-me preocupado (o que não serve para nada eu preocupar-me).
Eu vou tentar tocar em todos os domínios onde é visível a falta de estratégia nacional. Calmamente. A Instrução pública vai ficar para mais tarde.
O Estado dá ordenados, já referi ontem. Uma iniciativa meritória, solidária, para que muitas pessoas não caíssem, ou saíssem, de situações de miséria e exclusão. Todo o mérito à iniciativa. Mas aqui vou invocar uma terminologia que o ex-presidente Jorge Sampaio oficializou: Chico-espertice. Que é o sinete dos portugas. Eu continuo a ver pessoas no Porto e em Lisboa a dormir nas ruas, excluídas de uma inserção social. E outros que não estão na rua, incluídos, a receber um tal rendimento, mesmo que mínimo. Mas mínimo também é o ordenado dos trabalhadores em Portugal. De tal maneira que os portugas acham preferível, elas por elas, transportes à parte, ficar em casa sem trabalhar porque rende o mesmo com o subsídio do rendimento mínimo ou de inserção social. E chegamos à situação de o estado suscitar, incrementar o absentismo, pois valoriza o subsídio em detrimento do ordenado mínimo (por acaso muito mínimo). E como parece que os ordenados que o patronato tem para oferecer são quase todos mínimos, o apelo à produtividade é ficcional. Ah! Os outros portugas pagam, é claro.
(continua no episódio seguinte) ….

Via de regra ...

«A consciência duma solidariedade e dum ideal colectivo, o sentimento e a ideia duma pátria elaboram-se lentamente através desses movimentos de grupos e das lutas entre eles suscitadas. E por via de regra os grandes homens são tanto mais representativos quanto melhor incarnam e orientam as necessidades e aspirações colectivas.»

Jaime Cortesão, in “Os Factores Democráticos na Formação de Portugal”

Parece que ainda há por aí homens, agora lá grandes é que não me parece …….

segunda-feira, 3 de abril de 2006

De civismo disse-se

«À sua profana maneira, cada manifestação cívica é uma missa solene»
Miguel Torga, in "Ensaios e Discursos"

A ausência de estratégia nacional visível no comportamento civíco


Ainda antes de começar a divagar sobre o exposto no título, retomo a questão da demografia a partir de ontem. A taxa de natalidade em Portugal está na dependência de mães adolescentes; de mulheres de sucesso, que se apressam desmesuradamente quando se apercebem de que vai acabar a corda ao relógio biológico delas; e às restantes que já nem sabem se têm de trabalhar, se têm de ser mães, guias da família, suportes de uma sociedade perturbada ou umas desesperadas a caminho de Badajoz (isto com duplo sentido). As mulheres portuguesas são umas heroínas anónimas. De pequena estatura mas com uma enorme grandeza de determinação e de resistência no sofrimento.

Quanto ao tema em título, divaguemos. O civismo em Portugal, na minha modesta opinião, anda pelas ruas da amargura. Há umas dezenas de anos atrás havia melhor atitude cívica e mais urbanidade. A desresponsabilização do cidadão, e consequente imbecilização, levou à situação actual de desregramento de valores e ausência de noção de deveres. O cidadão actual clama e exige direitos sem que já entenda que há uma relação directa, proporcional, com os deveres. Mas o Estado apresenta-se como cuidador do rebanho. O paternalista que de tudo trata. Porque os cidadãos incapazes de serem independentes, porque não foram educados nem motivados para isso, assim o esperam e já exigem. Até com violência. O Estado dá casas; dá ordenados; dá assistência psicológica (já repararam que agora não há nada que não meta psicólogo do Estado para evitar traumas); e o Estado dá e dá. E tudo isto porque faltou uma estratégia nacional de actuação para cultivar o civismo. Cospe-se no chão? E daí? São umas bestas perfeitas a conduzir? Matam-se uns aos outros na estrada fazendo tudo errado e andando em excesso de velocidade? Qual é o problema? A culpa nunca é do cidadão. É da chuva; é da curva; é do piso da estrada; é da garrafa de vinho que se esvaziou sozinha, a grande traiçoeira; se se é apanhado sem carta de condução a culpa é da polícia que persegue cidadãos inocentes que só querem trabalhar sossegados; quando não é do sistema, essa coisa esquiva que persigo há anos e nunca consegui visualizar. É por causa do sistema que se atropelam pessoas na passadeira de peões. É por causa do sistema que não se têm seguro automóvel, se bate e se foge, etc. Tudo o mais cívico possível.
Hoje já estou cansado. Amanhã continuo a saga.

Por hoje sugiro que leiam jornais diários. Não precisam de ler todos. (Deus sabe que não vale a pena)

domingo, 2 de abril de 2006

O Mal Português é a Mediocridade


A mediocridade é o mal português. O dar-se mérito à mediocridade é o que nos tolhe as pernas. No sector estado, mas não só, há um domínio dos medíocres. Não permitem evolução, porque tal ultrapassa as suas capacidades. Para isso blindam os acessos, promovendo só outros medíocres que não lhes façam sombra. Isto implica que o cenário dirigente seja cada vez mais pobre, porque incrementa a mediocridade. Escolhendo-se sempre um que seja pior, mais medíocre vai ficando a capacidade dirigente, e assim sucessivamente. O país não chegou ao estado em que se encontra por um simples estalar de dedos. Chegou porque a mediocridade foi aumentando e sendo premiada. É a incompetência dessa mediocridade que levou, e leva, o país para esta situação de sufoco. E neste país os medíocres tornaram-se arrogantes, mauzinhos, persecutórios, sem nunca deixarem de ser pelintras ignorantes, por muito que apareçam nas revistas de jetezinho 0,75. E vão durando … Até quando portugueses, até quando?
E retomando o fio à meada de ontem, a desertificação humana do território e o grave problema da demografia, gostaria de focar como a administração da coisa pública olha para o interior. Como ontem disse, já pouca gente por lá está e, por isso, a questão dos encerramentos. Mas os ministérios continuam a prometer mundos e fundos para lá. Andam ministros a dizer que vão fazer isto e aquilo. A dizer. Estradas? Não as fizeram em devido tempo quando lá havia pessoas e eram essenciais para o desenvolvimento. Investimentos. Não os fizeram quando lá havia população bastante e que necessitava, para a viabilidade do seu futuro, desses investimentos. Também querem dinamizar culturalmente. Os actores queixam-se de que as pessoas não compram um bilhete, no interior, porque os acham caros. As pessoas que por lá restaram vivem da capacidade da horta anexa não os deixar morrer à fome. Estarei a exagerar? Já alguém fez um estudo sobre o que comem os portugueses com fracos recursos? De que se socorrem para se alimentarem? A única dinamização cultural que lhes cabe é serem museu vivo, para regalo dos que por lá vão ao fim de semana, paternalistas, conviverem no seio do Portugal típico. Será que ainda ninguém reparou que o Alentejo, as Beiras, Trás-os-Montes, etc., são zonas de lazer dos citadinos que empregam os habitantes locais como serviçais para lhes cuidarem das casas de campo, limparem a piscina e colherem os primores das hortas, com que depois se deliciam na cidade? E ninguém reparou como as piscinas se propagaram? Já se estudou, por acaso, a propriedade dessas piscinas? Num país pobre, a fingir que é do primeiro mundo, a dar-se ares disso, faz todo o sentido perceber-se como é que há capacidade para tanta piscina. Se são de assalariados, que discrepância há nos salários? Este é um país do terceiro mundo e, como tal, cheio de contrastes.
Também é um grande contraste o que se diz sobre a demografia e os comportamentos que se exercem sobre a sociedade. Portugal está com graves problemas na natalidade. De vez em quando parece que se apela a tomar-se medidas que incrementem o aumento da taxa de natalidade. Mas depois lá vem a realidade. Todos os pais gostam muito dos seus filhos. E por isso pensam muito antes de aumentar a prole. Hoje, no casal, ambos têm de trabalhar, e sabe Deus que nem sempre é suficiente. E depois os filhos? As creches, as escolas, os tempos livres, os desencaminhamentos, a assistência na saúde, os acessos das habitações ao trabalho e às escolas, as próprias habitações e a banca, são pormenores que inibem o aumento da taxa de natalidade. Mas os gestores da coisa pública não o percebem. Somos o país das leis inúteis. Têm belos textos, mas são impraticáveis, há uma incapacidade de se fazer com que sejam acatadas, são ostensivamente ignoradas e, muitas vezes, boicotadas.
Um filho, hoje, é um investimento para além de um bem precioso. Se não se tem capacidade de investir ou possibilidade de o fazer, um filho não poderá ser bem vindo num país onde os putativos pais não vêm esperança nem futuro.
Amanhã continuarei por estas bandas. Os problemas das mulheres e da maternidade são mais vastos do que algumas linhas. Mas não deixemos de fora a paternidade.

“Ensaios sobre a Cultura Portuguesa e Brasileira”, de Agostinho da Silva, são uma boa companhia de fim de semana que sempre permite trilhar outros caminhos sobre a compreensão do português.

sábado, 1 de abril de 2006

Estratégia Nacional

Prometido para Abril, começo hoje a divagar sobre a estratégia nacional, ou a ausência dela. Eu entendo que o país desde há anos que não tem estratégia. O que também não é nada inédito em Portugal. Sem estar com grandes delongas diria que estratégia, amiudadas vezes confundida com geoestratégia, é o plano de acção, o delinear a jogada para a vitória do jogo, o traçar do rumo para se atingir um porto seguro. «Quando um Homem não sabe a que porto se dirige, nenhum vento lhe é favorável.» E o país está sem rumo, sem estratégia. Um bom indicador para se aquilatar isso é a falta de esperança que os cidadãos portugueses derramam pelas calçadas da sua amargura. Mesmo que se fomente, aqui e ali, umas encenações de optimismo pinceladas com musicalidade e glamour artificial, a falta de esperança persiste. Um povo sem esperança é um povo moribundo. A sociedade portuguesa sente que tudo tem vindo a piorar, e sente a certeza de que o dia de amanhã vai ser pior do que o de hoje, e assim sucessivamente, como vem sendo uma constante de há anos. Houve períodos em que os portugueses se auto-iludiram, como se fosse uma embriaguez onde pudessem não encarar a realidade. Actualmente não há forma de fugir a encarar a realidade. E não encontram solução para terem esperança. Ninguém tratou dos planos, dos rumos, enfim, de viabilizar o país. E quando eu me refiro a ninguém, incluo, o que é óbvio, os governos e dirigentes políticos, mas também os portugueses, todos, que para isso contribuíram, nem que fosse pela simples demissão cívica.
Os portugueses encontram-se hoje sem capacidade para reagirem. O Fernando Pessoa falou em falta de elites. Que são fulcrais, também. Mas se investimos bastante na instrução de alguns jovens dedicados, é quase certo que vão parar ao estrangeiro, onde vão contribuir para o desenvolvimento da terra de acolhimento, normalmente porque são escorraçados do país. E então se sobressaem pela sua capacidade, é certo e sabido que são “expulsos”. A pátria não gosta muito de excelência. O meu pai, quando fui para a tropa, deu-me um conselho: «Na tropa nem bom cavalo nem mau cavalo; se é mau cavalo todos lhe batem, se é bom cavalo todos o montam». A mediania medíocre é o mais ambicionado. Portugal é o país do cinzento. A inveja e a intriga bailam pelos interstícios da mentalidade dos portugueses. A administração da coisa pública é perra porque reflecte tudo o que acabo de referir. E tudo o que está perro, senão é reparado ou oleado, mais perro vai ficando, tendendo para o imobilismo, aqui sinónimo de finis patriae.
Mas vejamos a consubstanciação da falta de esperança. Portugal foi sempre um país com problemas demográficos. Os reis da primeira dinastia, em geral, tiveram uma preocupação na ocupação humana do território. Era fulcral para uma boa administração da coisa pública. Chegamos ao século XXI e deparamos com um quadro “moderno”, de “acção”, “inovador”, “competitivo”, de desertificação do interior do país continental (também se pode falar do insular) que não se conjuga com parâmetros geoestratégicos. Se falarmos só em escola com poucos alunos, pode-se pensar em encerrar. Se falarmos só em maternidades com poucos partos pode-se falar em encerrar. E o mesmo para demais serviços públicos, portanto dependentes do estado, para o bem comum. Mas como um bom gestor da coisa pública tem de ter uma visão global, esses encerramentos e falta de outras condições de desenvolvimento são uma catástrofe. Como são catástrofe os gestores da coisa pública. As pessoas sempre procuraram melhores condições de vida. Mas então quando lhes tiram as poucas que tinham, não lhes resta alternativa senão partirem e abandonarem. E é neste ponto que já não há esperança. A asneira foi sendo feita ao longo de anos. Está-se a atingir o ponto de não retorno. (Talvez um dia desenvolva este tema do não retorno). Afluir para as grandes cidades não é já a solução nem para quem chega, nem para já está. E com falta de esperança a prevalecer, das grandes cidades para a emigração. Aqui nos Açores nota-se um certo despovoamento das ilhas mais pequenas a favor de S. Miguel e da Terceira, mas com a Terceira já a perder embalagem a que se seguirá, inevitavelmente S. Miguel. Sem esperança não há futuro, pelo que é necessário procurar no estrangeiro. Parece que a emigração hemorrágica é o desígnio de Portugal. Se não se arranja forma, sem se invocar milagres nem santos, padroeiros ou não, o futuro de Portugal poderá ser exíguo. The answer, my friend, is blowin' in the wind....
Do mal português falarei amanhã.
Recomendo hoje, de Franco Nogueira, “Juízo Final”.