quinta-feira, 30 de novembro de 2006

A REFLEXÃO DA ESTRATÉGIA NAS MATERNIDADES

Hoje ouvi falar no encerramento da maternidade de Amarante. A questão do encerramento das maternidades em si não me choca. Já por aqui o disse e porquê. Agora o que me decepciona é que em termos de estratégia nacional é um desastre. E, ainda pior, é que o sinal que é dado ao país é desmoralizador. Ausência de estratégia para o país, governação por impulsos e ao sabor dos humores de alguns actores medíocres. E, como no caso de Elvas, ir-se a ESPANHA nascer ainda piora o cenário, porque nos acirra o cotejo com a Espanha e faz-nos ver a péssima qualidade de quem nos governa. Em Espanha ainda só houve três primeiros-ministros constitucionais. Por cá não nos têm faltado aprendizes de feiticeiros que têm levado o país para a igovernabilidade, ou seja, para o fim da viabilidade de Portugal como ESTADO. E ninguém é chamado à responsabilidade. E os portugueses não se revoltam. Já nem se indignam. Já só são apáticos.

quarta-feira, 29 de novembro de 2006

CADA UM DE NÓS TEM O SEU GÓLGOTA

Só que há uns que o têm com a rampa muito mais inclinada do que outros. Hoje coloco aqui uma velharia que escrevi há uns anos para os Amigos e Pais das Crianças Deficientes, e que foi publicada aqui em Ponta Delgada no "Açoriano Oriental", se não me falha a memória. Foi escrito para um momento. Mas a imagem mantém-se

PIETÁ

Numa destas manhãs invernosas, em que o aconchego uterino dos lençóis é um apelo candente, tive uma visão distante de um sonho sublime. Eu vi uma Mãe com o seu filho de 5 anos carregado nos braços. Eu vi uma Mãe como suporte único de seu filho deficiente de uma paralisia cerebral. Eu tive a visão de Cristo nos braços de sua Mãe após ter sido apeado da cruz. Eu vi uma mãe grávida transportando no seu regaço grávido de nova vida seu filho deficiente. Numa brumosa manhã a vi, algures nos Arrifes, a caminho de uma escola normal onde seu filho é depositado e desamparado por uma hora diária. Numa brumosa manhã uma Mãe nos Arrifes sobe o Seu Calvário a caminho do monte Gólgata que será aquela singela escola normal. Não foi um sonho. Eu vi uma Pietá. Não a beleza marmórea de Miguel Angelo encerrada entre outros tesouros no Vaticano. Mas a Pietá real, a sofredora, com o seu Cristo nos braços, também ele vitima de erros de avaliação com objectivos pouco claros de popularidade política, tal como Jesus o foi de Pilatos há 1967 anos atrás. Também hoje, como há quase dois mil anos, há algures um político que igualmente lava as mãos do problema. Ele não tem filhos deficientes. Ele não quer saber da Pietá viva.
Mas eu vi uma mãe que carregava com Amor o seu filho sofredor. Eu não tinha braços para carregar o seu fardo. Eu não tinha lágrimas para chorar a sua dor. Eu não tenho imolação para arcar com os seus sofrimentos. Ninguém tem. Você, leitor, que tem filhos sãos e escorreitos, talvez ainda não tenha sentido a intensidade do drama pela simples razão de que os “média” se inibem de o informar. Talvez nunca tenha tido a visão que eu tive. Mas leitor, se não podemos arcar com o fardo, podemos suavizar o Calvário. Está nas nossas mãos sermos solidários e não nos acobardarmos, evitando que um qualquer sócio de partido político, empoleirado num gabinete para onde foi alcandorado por estranhos enigmas, destrua um ambiente físico com infra estruturas adequadas a suavizar o sofrimento de vítimas inocentes bem como o dos seus entes queridos. Numa manhã de bruma eu vi uma mãe que arrostava a sua gravidez carregando nos seus frágeis braços o seu filho para uma escola normal, transformada em Calvário pela insensibilidade de um decreto que não especificou os interesses que lhe eram subjacentes. Numa manhã de bruma eu chorei pela minha impotência, dominado pela raiva que sentia por nós todos que ainda votamos em abstracções, que são os partidos que nomeiam homens insensíveis e sem noção alguma de “res publica”. Nessa manhã de bruma eu vi Cristo nos Arrifes desprezado por políticos que ninguém escolheu, transportado por sua Mãe que o amparava com carinho das lanças que lhe cravaram no seu indefeso corpo enquanto lavavam as mãos da responsabilidade da sua inerência. Eu vi Cristo pregado pelas mãos de um secretário regional por não equacionar condignamente uma verdadeira política regional no âmbito de Educação Especial, e pela apatia de todos nós. Que Deus nos perdoe a nós todos (secretário inclusivo) pela maneira como tratamos o seu Filho. Tentemos todos reparar o erro em conjunto e harmonia tendo em vista o exemplo de Cristo. Bem hajam as pessoas de bem
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terça-feira, 28 de novembro de 2006

A ASSUMPÇÃO DA ESTAÇÃO

Reparei que aqui, em Lisboa, as pessoas assumem as estações pela data do calendário de forma absoluta. Não está frio. Neste momento até está calor. Mas quase todas as pessoas andam vestidas com agasalhos da época. Alguns até daqueles almofadados. E andam dentro dos centros comerciais aquecidos com eles vestidos. Isto dirá alguma coisa das caracteristicas dos portugueses? Sujeitam-se a ditames com muita facilidade. Não raciocinam nem se sentem.
E tenho muita pena das criancinhas atafulhadas de agasalhos. Que, lógicamente, andam sempre constipadas e engripadas. Já nem aguentam uma simples corrente de ar.

sábado, 25 de novembro de 2006

MAS O MEDO EXISTE, DE FACTO.

Elísio Estanque, hoje, aqui no Público. Destaco este trecho:
«José Gil definiu o país pelo Medo de Existir. Mas o medo existe, de facto. Medo do possível despedimento ou do estatuto de "excedentário", do tratamento desfavorável, da desconsideração, da pequena "vingança". As pessoas sentem uma grande falta de segurança e estabilidade. Isto, associado aos baixos níveis salariais, favorece a inibição, o retraimento e a crispação. Num clima geral onde quem triunfa é em geral o "yes man", espera-se que todos nos comportemos como tal. Continuamos a debater-nos com necessidades primárias por cumprir. E a segurança é uma delas. Por isso também no mundo empresarial prolifera uma mentalidade que é avessa à mudança, à iniciativa individual, à inovação tecnológica e à inovação social e organizacional. As lideranças são em geral medíocres e por isso favorecem a mediocridade e o carreirismo, cego e seguidista, quer nas contratações, quer nas avaliações e promoções de quadros e subordinados. O peso dos micropoderes nas instituições burocráticas e nas empresas continua a alimentar situações de opressão que asfixiam a dignidade individual, a autonomia e a criatividade. Como trabalhador e como cidadão, o sujeito individual é suprimido ou esconde-se na esfera privada, inibindo por sua vez a emergência de novos sujeitos colectivos. Porque sem liberdade e iniciativa individual não é possível construir empresas competitivas, comunidades cosmopolitas e uma "esfera pública" dinâmica e exigente

sexta-feira, 24 de novembro de 2006

O PAÍS TEM NECESSIDADE DE SUSTENTAR MILITARES, QUE SERVEM PARA NADA?

Claro que não. E o passeio do descontentamento não passou do passeio da própria inutilidade. Mas para não ser só eu a dizê-lo, leiam, aqui, o excelente artigo do José Miguel Júdice, no Público. Também podem ler o Vasco Pulido Valente que dá no alvo. Mas do Júdice destaco aqui alguns trechos:

« ... Mas sabe o amável leitor que paga impostos que, em 2004, Portugal dedicou 2,3 por cento do PIB a despesas militares? E não acha estranho que a República da Coreia, estando onde está, só gastasse 2,4 por cento? E alguém o informou de que a Irlanda - apesar da ameaça de situações de crise real na fronteira norte - só dedicou às tropas 0,7 por cento? E imaginava que países como a Itália, os nórdicos, a Bélgica e a Holanda estão todos eles claramente abaixo de Portugal? E que o pequeno e pobre país que todos sabemos que é a Alemanha aplicou apenas 1,4 por cento do PIB a custos de Defesa? Ou que a Espanha, apesar do terrorismo basco, se ficou pelos 1,1 por cento, ou seja, menos de metade do que se gastou (ou delapidou) neste país tranquilo e pacífico à beira mar plantado?
(...)
O caso das Forças Armadas é, a este título, paradigmático. Não faz qualquer sentido o que se gasta com Defesa e Forças Armadas. É indispensável fechar e vender quartéis, reduzir investimentos, mandar para o quadro de supranumerários muitos excedentários, reformar ou negociar a saída da função pública de oficiais, sargentos e praças, estabelecer como objectivo para Portugal aquilo que serve para a Irlanda: reduzir, e muito rapidamente, de 2,3 por cento para 0,7 por cento do PIB o nosso Orçamento da Defesa.
Durante muito tempo se falou, e eu fui um deles, da libertação da sociedade civil como uma condição do progresso económico e social. Chegou a hora de termos a coragem e a lucidez de defender que, com as mesmas motivações, temos de nos libertar da sociedade militar, aproveitando para outras funções - no Estado e fora dele - as pessoas que se tornaram redundantes ou desnecessárias. A menos que se ache que temos de nos armar para nos defendermos de uma invasão espanhola. »

PORTUGAL É UM PROBLEMA GENÉTICO. HÁ GENES QUE NÃO FUNCIONAM BEM (1)

Este é um dos que não funcionam. E não é funcionar mal, pois não funciona mesmo nada. Não se prestam contas nenhumas. Há só teatralização dessa função.
«Prestar contas não é apenas mostrar as despesas e as receitas, assim como a respectiva honestidade ou falta dela. É também mostrar o que se faz e o que se não faz. Se se fez bem ou mal. Se se fez tudo o que deveria ser feito ou não. Se os resultados são os previstos ou perversos. Se, da acção de um organismo público, resulta melhoria para a população e o país, ou se, pelo contrário, nada de bom acontece ou as situações pioram. Prestar contas equivale a ser avaliado em todos os aspectos da acção e da gestão. Tem de se mostrar o que se gastou, onde, como, porquê e quanto.»
António Barreto, aqui, no Público de Domingo passado.

quinta-feira, 23 de novembro de 2006

ABANDONO ESCOLAR


Ontem o Perez Metelo, numa das suas crónicas que ouço com atenção, referiu-se ao grave problema do abandono escolar. E dos seus reflexos negativos na economia. A crónica seguiu por aí.
Mas eu quero introduzir um outro parâmetro. A semana passada, em conversa com uma jovem que não fez o 9ºano, fui inquirindo-a sobre o tema e tentando levá-la a pensar na melhoria da sua situação laboral se prosseguisse os estudos. A resposta dela, que foi pronta, era que não valia a pena prosseguir estudos, porque com ela trabalhavam na empresa de limpeza duas jovens com a universidade, a ganhar o mesmo que ela e nas mesmas condições.
E agora se ela tem razão? Num país onde a Esperança não existe. Onde se emigra novamente com fluxo idêntico aos dos anos 60. Onde os portugueses se sujeitam a ir trabalhar em regime de quase escravatura para os cínicos holandeses, que gostam de dar uma imagem de tolerância e de defesa de valores dos direitos humanos. Onde vão os jovens arranjar emprego?
O Expresso, no Sábado passado, na Única, apresentava um artigo sobre os jovens que fazem doutoramento e pós doutoramento, mas que nunca têm emprego. Altamente qualificados, mas o país não os quer. Há sempre a solução da emigração. Que país é este que apresenta todos os dias os piores indicadores nos mais variados sectores e que despreza os mais qualificados? Porque é que o Perez Metelo não referiu este problema? Porque é que os empresários não gostam de trabalhadores com habilitações, e só preferem os iletrados para pagarem pouco? Que, aliás, é a única estratégia do empresário português. Inovação e desenvolvimento não faz parte dos seus objectivos. Só os negócios dependentes de subsídios do Estado é que lhes interessam, pois as suas estratégias estão focadas na teta do Estado.
Para quê estudar? Só se for para emigrar. E o melhor mesmo, é fugir de Portugal.

quarta-feira, 22 de novembro de 2006

MEGAFONE SOLIDÁRIO

Ouvi ainda há pouco, num noticiário de uma rádio, uma jornalista a dizer, numa reportagem sobre o protesto dos estudantes de Belas Artes, o seguinte: «estão agora acompanhados de um megafone; vejo também ali uma panela e uma colher.»
O megafone, como qualquer bom megafone, é solidário e, como tal, foi-lhes fazer companhia. E o que me dizem do momento alto protagonizado pela panela e pela colher?
Portugal é isto. Este é o nível da informação, em geral, em Portugal. Será que ainda não perceberam porque é que nós estamos como estamos? Querem mais explicações?

terça-feira, 21 de novembro de 2006

REACÇÃO


Passei 3 dias sem colocar nenhum post. Esperava alguma reacção ao post anterior. O tema era polémico. A existência de um cadastro político dos deputados, e não só, era um tema que eu julgava que não era consensual. E não me iludo, pois não o é. O que é consensual é a apatia geral. As pessoas já não reagem. Já só esperam que o céu lhes caia em cima.
Pois não perdem pela demora. Vai cair. E vai ser duro para todos, pois cego não é o que não vê, mas o que não quer ver. E os portugueses estão a não querer ver. E nem o D. Sebastião vão ver.

sexta-feira, 17 de novembro de 2006

TRANSPARÊNCIA POLÍTICA

Há uns tempos recebi um mail do Brasil. Que me levava até um site onde se colabora na transparência da vida pública no Brasil. Nele se pode ver o cadastro politico de cada deputado e o que fazem, e como, pela coisa pública. E se também se fizesse o mesmo em Portugal?
Transcrevo parte do mail e o site. Vão até lá e constatem se não nos faz falta algo igual.
«Corrupção zero é uma coisa que já penso faz tempo. Mas não sabia ao certo qdo nem como falar sobre isso. Chegou a hora. Vou fazer do meu jeito. Mas não registrei esse nome, ele não me pertence. Todos deveriam entrar nisso, falar disso, cobrar isso. Como? Eu não sei. Eu vou fazer uma coleção de camisas corrupção zero, é pouco mas é o que eu sei fazer. Vou também tentar convencer o máximo de pessoas ao meu redor. E vou tentar votar o mais certo possível. Pra isso eu conto com um site que mostra bem quem é quem – http://perfil.transparencia.org.br/ Vale a pena entrar. Mostra cada processo que essas excelências estão enfrentando. Mostra qto gastam e como gastam suas verbas. Mostra qtas sessões frequentam. Pode ajudar. Fico aguardando que as diversas entidades que entraram em contato comigo se organizem e marquem uma grande manifestação contra a corrupcão. Irei a todas. É minha obrigação como cidadão. E levo meu filho pra ensinar a ele a ser um também.Queria muito agradecer às inúmeras manifestações de apoio. Se o meu assalto e essa consequente exposição indesejada tiver servido pra alguma coisa, por menor que seja, já tá valendo. Tá todo mundo disposto a entrar com uma cota de sacrifício pro Brasil entrar no eixo. Eu tô. E já entrei.fred»

quinta-feira, 16 de novembro de 2006

PORTUGAL REFÉM DOS POLÍTICOS


Hoje ouvi no Jornal da Tarde da RTP 1, a jornalista Rosa Veloso dizer, já no fim de uma reportagem sobre o doutoramento do General ramalho Eanes, o seguinte:
«Acima de tudo Ramalho Eanes deixa um grande desafio aos portugueses: que não se deixem ficar reféns nem dos políticos, nem dos partidos

Pois senhor Eanes, saiba que muitos portugueses pensam o mesmo.

quarta-feira, 15 de novembro de 2006

ASPIRAR, ASPIRA-SE

«Em 1910, Portugal era um país pobre, sem riquezas naturais, com um mercado reduzido, situado na periferia da Europa, com uma população largamente analfabeta e com uma elite que aspirava a viver de acordo com os padrões de vida da Europa

Filomena Mónica, in “A Queda da Monarquia – Portugal na Viragem do Século”


Em 2006 continua quase na mesma, com a diferença que há uma parte da população que julga que o país é rico e que pode sustentar vencimentos e reformas chorudas à custa dos impostos que os sempre pobres pagam.

terça-feira, 14 de novembro de 2006

ANEXO, ANEXA OU SITIADA?

«Alguns fenómenos recentes, como as células terroristas, ou os tumultos que têm sacudido as noites nos bairros periféricos das principais cidades francesas, parecem, finalmente, começar a acordar as elites. A cada novo incidente, a forma habitual de os partidos políticos resolverem o assunto com os dirigentes das comunidades imigrantes, garantindo-lhes autonomia em matéria de religião e de costumes a troco de votos em tempo de eleições, revela-se mais obsoleta. Os imigrantes e a sua descendência tornaram-se, entretanto, uma componente irreversível da população europeia. Mas a Europa ainda está na ilusão de que se trata de um anexo, construído para uma emergência
Diogo Pires Aurélio, aqui no DN

segunda-feira, 13 de novembro de 2006

SE ATÉ CAMÕES O DISSE……….

Fazei, Senhor, que nunca os admirados
Alemães, Galos, Ítalos e Ingleses,
Possam dizer que são pera mandados,
Mais do que pera mandar, os Portugueses.

Lusíadas, Canto X, 152.

Eu tenho vindo a dizer isto, por mim ou através de citações de outros. E ele, Camões, que já estava a sentir e a viver o início da decadência portuguesa, percebeu o que restava para Portugal: ser mandado. E como sempre iria ser, já então se admirava o lá fora.
Lord Palmerston, 300 anos depois dirá: «Aproxima-se o momento em que seremos obrigados a desferir outro golpe na China. Esses governos semicivilizados como os da China, Portugal e América Espanhola precisam todos de uma limpeza cada oito ou dez anos, para os manter em ordem. Os seus cérebros são demasiado ocos para conservarem uma impressão por um período mais longo e de nada serve avisá-los. Pouco se importam com palavras e não só precisam de ver o pau mas também de o sentir nas costas para obedecerem.»

Não sei se repararam, que na Europa só Portugal. Camões precedeu em temor o que Palmerston consagrou, e que nós continuamos sentindo. Está no nosso âmago?

domingo, 12 de novembro de 2006

SÍNTESE DO PROBLEMA

«Perigosamente reduzido a um partido alicerçado na Administração Pública, com sólidas bases ancoradas nos sistemas educativo, de saúde e autárquico, o partido e o governo vêem-se agora obrigados a reduzir efectivos, despedir, congelar recrutamentos, diminuir vencimentos, baixar as pensões e cortar nos privilégios colaterais. Mais uma vez, desfaz o que fez. Se persistir, até ao fim do mandato, nas políticas que tem anunciado, terá de ir muito mais longe e prestará, talvez, insignes serviços às finanças públicas. Mas deixará destroçada a sua clientela, os seus militantes, as suas bases e o seu eleitorado. Pelo contrário, se, como é hábito, não for tão longe quanto é necessário e enveredar pela demagogia prévia ao segundo mandato, tornará inúteis os sacrifícios actuais e voltará a deixar em crise o Estado social. Ou, mais simplesmente, o Estado
António Barreto, hoje aqui, no Público

sábado, 11 de novembro de 2006

SE NÃO FORMOS CASTIGADOS PELA IGNORÂNCIA NA ESCOLA, SÊ-LO-EMOS NA VIDA ADULTA

"Se não formos castigados pela ignorância na escola, sê-lo-emos na vida adulta."
Esta frase, de um comentário feito num blog pelo meu amigo Pedro “Noise”, complementa aquela outra: “Ensinar mal custa tanto como ensinar bem, só que sai mais caro”.
Podia divagar por aí abaixo. Apetecia-me bater em muita gente. Mas já me cansa bater tanto nos mesmos temas. Hoje deixo as duas frases para meditação. Meditem. Meditem. Não alcançarão o Nirvana, mas entenderão bem porque é que o país está assim, encalhado num fosso.

sexta-feira, 10 de novembro de 2006

VAGUEIAM TRISTES, MELANCÓLICOS E INDOLENTES

Os portugueses estão apáticos. Dois partidos, alternadamente, fizeram um somatório de asneiras que pôs o país no estado catastrófico em que se encontra. Dois partidos, alternadamente, prometeram resolver os problemas, aldrabando sempre os eleitores. O que é um facto que está no âmago dos partidos portugueses, aldrabar. E como são constituídos pelo que de pior existe na sociedade portuguesa, que são os aldrabões, outro resultado era impossível. Tarde ou nunca. Parece-me que já é muito tarde. E nunca é a solução dos problemas de Portugal.
Por isso os portugueses andam amargurados, tristes e acabrunhados. Hoje ouvi aqui em S. Miguel, um trabalhador que vai ser despedido, ao pedir 1 mês e meio de indemnização em vez de um, falar em esmola. Para a entidade patronal dar esse meio mês como esmola. Já não são capazes de reivindicar. Não reagem. Não protestam. Não exigem responsabilidades a quem colocou o país neste estado. Aceitam tudo com indolência e acabrunhados. Os portugueses só querem esmolar. Se lhes derem qualquer coisinha acomodam-se. Sempre se acomodaram. Depois queixam-se, ou melhor, nem se queixam, lamuriam. Se se queixarem, queixem-se deles próprios. Quem amocha, aguenta. E merece tudo o que lhe dão.
Ai, se ao menos se revoltassem uma vez na vida …….

quinta-feira, 9 de novembro de 2006

NEM TODOS SABEM, NEM TODOS.

«Para ensinar há uma formalidade a cumprir – Saber.» Eça de Queiroz

Ele há tanta gente por aí sem cumprir esta formalidade.

Hoje, se fosse vivo, faria anos Carl Sagan, autor da frase que serve de mote a este blog. Ele era um homem de SABER. A sua sabedoria ainda nos permite, e permitirá, tomar conhecimento do saber ou de como o alcançar. Ainda de “Um Mundo Infestado de Demónios” transcrevo mais um trecho.

«Os antigos Jónios foram os primeiros de que temos conhecimento a afirmarem sistematicamente que são as leis e as forças da natureza, e não os deuses, as responsáveis, pela ordem e mesmo pela existência do mundo. Nas palavras de Lucrécio, «A natureza, liberta do jugo dos seus senhores altivos, faz todas as coisas espontaneamente, por si só, sem a interferência dos deuses». Porém, excepto na primeira semana dos cursos de Introdução à Filosofia, os nomes e as ideias dos primeiros jónios quase nunca são mencionados na nossa sociedade. Aqueles que põem de parte os deu­ses tendem a ser esquecidos. Não ansiamos por preservar a memória desses cépticos, e muito menos as suas ideias. Os heróis que tentam explicar o mundo em termos de matéria e de energia podem ter surgido muitas vezes em muitas civilizações, só para serem esquecidos pelos sacerdotes e filósofos que tinham a seu cargo a sabedoria convencio­nal, tal como a abordagem jónica se perdeu quase por completo depois da época de Platão e Aristóteles. Com muitas civilizações e tentativas deste tipo, é possível que só em raras ocasiões a ideia ganhe raízes.
As plantas e os animais foram postos ao serviço do homem e a civilização só teve início há 10000 ou 12000 anos. A abordagem jónica tem 2500 anos. E foi quase eliminada por completo. Podemos ver passos em direcção à ciência na China e na Índia antigas, bem como noutros lugares, embora vacilantes, incompletos e produzindo menos frutos. Mas imagine-se que os Jónios nunca tinham existido e que a ciência e a matemática gregas não se tinham desenvolvido. Seria possível que a ciência não tivesse aparecido na história da espécie humana? Ou, dada a grande quantidade de civilizações e o emaranhado de alternativas históricas, não é provável que a combinação exacta de factores se tivesse verificado noutro sítio qualquer, mais cedo ou mais tarde – nas ilhas da Indonésia, por exemplo, ou nas Caraíbas, nas imediações de uma civilização meso-americana não alcançada pelos con­quistadores, ou em colónias escandinavas nas margens do mar Negro?Julgo que o impedimento ao pensamento científico não é a dificul­dade do tema. Até nas civilizações oprimidas se verificam proezas intelectuais complexas. Os xamãs, os mágicos e os teólogos são alta­mente dotados nas suas artes imbricadas e secretas. Não, o impedi­mento é político e hierárquico. Nas civilizações onde não existem desafios desconhecidos, externos nem internos, onde não é necessária uma alteração fundamental, as ideias novas não precisam de ser enco­rajadas. Na realidade, as heresias podem ser declaradas perigosas, o pensamento pode tomar-se rígido; e podem ser aplicadas sanções con­tra as ideias proibidas – tudo isto sem provocar grandes danos, Mas, em circunstâncias ambientais, biológicas ou políticas que sofreram, alterações e que se encontram em mutação, a simples cópia dos antigos usos já não funciona. Nessa altura há um prémio à espera daqueles que, em vez de se limitarem a seguir a tradição, ou de tentarem impor as suas preferências sobre o universo físico ou social, estão abertos ao que o universo ensina.
Cada sociedade tem de decidir onde se encontra a segurança no continuum entre abertura e rigidez

quarta-feira, 8 de novembro de 2006

SEM ESPERANÇA

Duas pessoas que prezo, professoras, fizeram comentários em blogs sobre a falta de empenho dos seus alunos para com práticas ambientais. Que ao serem confrontados com a informação das consequências futuras das más práticas ambientais, terão respondido que tal já não era para eles.Chocados? Eu não. Só reflectem a falta de esperança. Eles são adolescentes que sempre foram criados num país já em crise profunda, em que os pais já subsistem no desespero, transmitindo-lhes uma ambiência de desesperança. Eles não têm futuro. Eles não têm esperança. A resposta deles exprime isso

terça-feira, 7 de novembro de 2006

NUNCA ALCANÇAREMOS EMENDA

«Em tais condições, diminuída nas fontes produtivas e administrada com desleixo, não podia a exploração do acervo, terra e trabalho humano, em que consistia a indústria régia, manter-se em estado próspero. As receitas cedo deixaram de cobrir as despesas, e foi necessário inventar novos meios de produção. Até à expulsão final dos mouros, o despojo das guerras de conquista, preen­chia a diferença. Faltando este, o recurso imediato e mais favorável, de que se lançou mão, foi o das altera­ções da moeda. Desde o reinado de Afonso III, talvez de antes, trocar a que andava em circulação por outra de menos valor intrínseco, cunhada para o fim, tornou-se fonte de receita ordinária. Para evitar os transtornos e perdas que da extorsão derivavam, conveio-se em Cortes renunciar o monarca à prática, mediante um tributo.Mas o acordo pouco tempo se observou. E foi com des­prezo dele, como se nunca o tivera havido, que D. Fer­nando e D. João I lograram financiar as suas guerras.
Outro manancial de receitas facultavam os pedidos, tributo suplementar eventual, exigido aos povos, quando a necessidade ocorria, e os empréstimos forçados; mas nenhumas das contribuições poderia ser produtiva senão a largos intervalos. Ambas tinham sido imposições locais, dos senhores, em suas terras; constituídas, por fim, em direito exclusivo da coroa, que vedou àqueles, com penas, extorquirem por esse meio quaisquer somas aos povos.De carácter permanente foi o tributo das sisas, imposto de que também o monarca esbulhou em pro­veito da realeza os concelhos.
»
J. Lúcio de Azevedo, in " Épocas de Portugal Económico"

segunda-feira, 6 de novembro de 2006

EM ORDEM

Não sei. Não sei se está tudo em ordem. Ou na ordem. Também não sei onde está o caos. Eu simplesmente não sei. Assim como não sei se este universo é de único verso. Só conhecemos neste verso um planeta que habitamos. Este universo é, para a nossa sabedoria, um caos ordenado. A sua ordem ultrapassa todas as leis científicas do planeta, ou os habitantes do planeta não ultrapassam a sua capacidade limitada de conhecer. Mas neste verso do universo deste planeta há harmonia. Tudo se coordena em harmonia. Como uma sinfonia perfeita. No princípio era o verbo. No fim a apoteose da execução harmónica.
Neste planeta a caminho de um caos momentâneo, há demasiada verborreia que impede a audição harmónica. A desafinação das cordas tenderá a vibrar num tom telúrico. Após a afinação, então, estará no horizonte a ordem que possibilitará tentar-se tocar harmonia.

domingo, 5 de novembro de 2006

VAGUEAVA

Vagueava por S. Catarina. Sem abrigo das transversais de Santa Catarina ou de outras paragens mais para o lado da Ribeira. Passeava entre casais com os filhos. Sábado de compras. De castanhas assadas. Também já foi casado. Mas sobreveio o divórcio destrutivo. A seguir o desemprego, sem que ele tenha contribuído para a falência da empresa. Deixou de estar, deixou de ter, deixou de ser. Aos quarenta e sete anos a sociedade, o país diagnosticou-lhe velhice. Então é que perdeu mesmo a dignidade, pois essa doença incapacitante para o trabalho, destrói o que resta de auto-estima. Deambula pelo Porto. Já nem sequer tem pachorra para tentar deambular por Lisboa. Alguns que se cruzam com ele fazem por não o reconhecer. Outros não o reconhecem mesmo, tal a transformação que as vicissitudes da vida lhe impuseram. Também já todos lhe são indiferentes. Até a família. Deambula quase abstracto. Nos andares lá de cima estarão muitas pessoas. Todas solitárias. Muitas relacionando-se com as telas dos seus PCs, comentando no tom do politicamente correcto tudo e todos. Vigiando a manutenção dos seus interesses, mas incapazes de um gesto solidário com quem deambula pela cidade sem ter onde se abrigar. Só os voluntários lhes levam algo, incluindo o carinho de uma palavra. Também ele já morou num andar e tinha um PC. Também comentou sem solidariedade nenhuma. Deixou de ter, deixou de ser, deixou de estar. Deixaram-no.

sábado, 4 de novembro de 2006

OS OUTROS

São todos aqueles que nos aborrecem ou nos enternecem. Mas se calhar são-nos indiferentes. A nossa sociedade hoje é egoísta. Hoje vivemos quase todos virados para o nosso umbigo. E somos críticos. Demasiado críticos para os pecados que cometemos. O que faz desta sociedade um conjunto hipócrita. Exigem, mas em nada contribuem. As pessoas tornaram-se demasiado egoístas ao ponto de darem demasiada importância a ninharias que julgam contribuírem para o seu status e valorização social. E desprezam o que é importante para elas e para os outros. Já não são solidárias. Nem para o próximo nem para o distante. Se politicamente correcto, contribuem só com dinheiro, que julgam que compra tudo, incluindo as sua próprias consciências. Nunca contribuem com carinho nem ternura, nem com um gesto de solidariedade. Nem para os seus próximos. Mas criticam, até os seus próximos. E sobretudo desprezam. Sobretudo desprezam.
Até um dia. Aquele em que irão começar a pagar a factura. Porque esse dia vai começar mais cedo do que a voragem do seu exibicionismo social lhes permite apreender. O ângulo do umbigo é demasiado estreito.

sexta-feira, 3 de novembro de 2006

JÁ ANDO IRRITADO COM ESTA DISCUSSÃO DO ABORTO

Desde logo porque se fala em despenalização e não em descriminalização. Tiram a pena e mantêm o crime. Ridículo. Patético.
Mas quero já dizer que eu, por concepção da moral e princípios de ética, sou contra o aborto, mas sou totalmente a favor de que as pessoas, se assim o entenderem, o façam em plena liberdade.
A Igreja Católica que defende, e bem, por razões doutrinais, a existência da vida e, por isso, é anti-aborto, age mal quando tenta impedir pela força a prática do aborto. A Igreja deveria limitar-se ao seu papel de elucidar sobre o bem e o mal. E depois cada um agiria em consciência. Mas não consegue fugir à sua vocação fundamentalista de obrigar as pessoas a não pecar à força. E desde sempre. Por isso é que para salvar a alma de pecadores lhes destruía o corpo nas fogueiras das inquisições, com ou sem ofício de santo tribunal. Age mal a Igreja e dá sinais errados aos seus seguidores, e aos não seguidores, sobre a bondade no e do Evangelho.
Depois também a hipocrisia de muitas pessoas que não tendo filhos, não tendo intenção de contribuir para os ter, porque é de sua natureza serem avessos a isso, fazem campanha contra o aborto, o que não ajuda nada a clarificar a questão.
Também a hipocrisia geral de quem não toma atitude nenhuma de cidadania, piora a situação. À mistura com uma série de dramas sociais, de vária índole, que vagueiam pelo país.
Finalmente não entendo tanto alvoroço, porque o problema resolve-se bem em Espanha, e ainda por cima É MAIS BARATO do que em Portugal. Deveria ser possível fazer o aborto em Portugal, em sã liberdade e em perfeitas condições, mas seria ou vai ser sempre muito mais caro do que em Espanha. Os actos médicos em Espanha são mais baratos do que em Portugal, apesar de lá se ganhar melhor e a economia ser muitíssimo melhor do que a portuguesa. Vá-se lá a saber porquê.

quinta-feira, 2 de novembro de 2006

SUPÉRFLUO

«Todo o mal provém não da privação, mas do supérfluo.» Fernando Namora

INDIA

«A Índia é um país difícil de caracterizar e os Indianos não são de defi­nição fácil, sobretudo numa altura em que se assiste a uma transição que os transporta das sombras da História para o esplendor de um mundo no limiar da globalização. Este livro é uma tentativa de dar a perceber quem realmente somos, no contexto do nosso passado e enquadrados no futuro. É uma tarefa difícil e arriscada. A Índia é um país demasiado grande e diversificado para permitir classificações generalistas, por motivos de con­veniência. Todas as generalizações encerram excepções notáveis. Todas as semelhanças encerram diferenças significativas.

(…)

Actualmente, a Índia parece estar no limiar de uma descolagem, mas as razões para tal extravasam a euforia da actual vaga de «bem-estar».,
Ao analisar-se um povo que esteve, durante milénios, no centro da História, não é possível traçar um cenário definitivo. Nem tudo pode ser bom, tal como nem tudo pode ser mau. O desafio consiste em fazer uma espécie de ba­lanço, que tenha como base os pontos fortes basilares de um povo, e em defen­der a tese de que, apesar das evidentes fraquezas, os pontos fortes irão prevalecer. A cultura, a história e a estrutura da sociedade desempenham um papel fundamental neste balanço, bem como a inerente resistência do povo, as suas ambições e asPirações. Há ainda que contar com o nosso inex­plicável talento para vencer dificuldades, embora muitas vezeS de forma atabalhoada, com a nossa capacidade de transformar fraquezas em for­ças e, evidentemente também, com uma sempre necessária dose de sorte.

(…)

O objectivo deste livro é tentar fazer uma análise nova e comple­tamente diferente do que significa ser indiano. Tal análise assume, nos dias de hoje, particular relevância, não apenas para a Índia, mas para o mundo no seu conjunto. No século XXI, um em cada seis seres humanos será indiano. É muito provável que a Índia venha a tornar-se a segunda maior sociedade de consumo do mundo, com uma classe média constituída por mais de 500 milhões de pessoas e dotada de poder de compra. A economia indiana é já a quarta maior do mundo, em termos de paridade do poder de compra. Situa­-se no grupo dos dez países com maior produto interno bruto. Sendo -a maior democracia do mundo, é também uma potência nuclear, estando convicta do seu direito de se tornar membro per­manente do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Além disso, há mudanças significativas a decorrer rapidamente em todo o subcontinente. Dispondo de mais licenciados do que toda a população da França, a Índia está a reconquistar o reconheci­mento mundial das suas competências na área das tecnologias de informação. Prevê-se que a exportação de software proporci9pe uma facturação de mais de 5 O milhares de milhões de dólares ame­ricanos no espaço de poucos anos. A diáspora indiana é, a seguir à chinesa, a segunda maior do mundo. A comunidade indiana emi­grada nos EUA surge como a mais rica de todas e as comunidades de indianos, noutros países, são cada vez maiores, mais importantes e abastados, como sucede no Reino Unido e nos estados do golfo Pérsico. Quer o resto do mundo queira ou não, ser-lhe-á difícil não ter de interagir com indianos, de muitas formas, no novo milénio.»
Pavan K. Varma, in "A Índia no Século XXI"

quarta-feira, 1 de novembro de 2006

E AINDA MAIS SOBRE O PORTUGAL-ESPANHA

Não posso deixar de incluir neste blog um artigo saído ontem, aqui, no Público. Para reflexão.

«E a Espanha aqui tão perto
sem fronteiras

1.Fernando Neves, o embaixador português que exerceu até Julho passado as responsabilidades de secretário de Estado dos Assuntos Europeus e que, há quase 30 anos, levou a Bruxelas a carta formal com o pedido de adesão de Portugal à então CEE, recordou uma velha história das negociações dos dois países ibéricos que reflecte bem o modo como cada um deles se vê a si próprio e aos outros. Pouco depois dos pedidos formais, uma delegação da Comissão Europeia veio a Madrid e a Lisboa para elaborar o chamado "fresco" da situação dos dois países - primeiro passo para determinar a estratégia negocial. Quando aterrou em Lisboa, vinda de Madrid, a primeira coisa que um dos seus membros disse aos portugueses foi o seguinte: "Acabámos de chegar da primeira sessão das negociações das Comunidades Europeias com a Espanha." Fernando Neves contou esta história em Cáceres, na semana passada, durante uma conferência organizada pela Junta da Extremadura com o lema A Casa Comum Europeia, 20 anos que mudaram Espanha e Portugal. Pouco depois, o seu parceiro de debate, o embaixador Javier Elorza, certamente um dos diplomatas espanhóis com mais experiência europeia, confirmaria, provavelmente sem querer, a moral desta história. Sem sequer pestanejar, Elorza, que esteve em Bruxelas à frente da representação espanhola durante muitos anos, explicou como foram os dois países ibéricos (foi simpático, mas estava certamente a pensar na Espanha) que ofereceram à Europa uma política externa. O mais interessante é que isto nem sequer soa a arrogância, parece apenas reflectir uma ilimitada autoconfiança de um país que, ao libertar-se do franquismo e ao integrar-se na Europa e na NATO, não mais deixou de se sentir determinado, seguro e confiante.
2. A economia corre-lhe bem. Bem demais, quase me atreveria a dizer, depois de ouvir, na mesma conferência de Cáceres, José Luís Malo de Molina, director-geral do Gabinete de Estudos do Banco de Espanha, explicar as razões do longo ciclo de expansão económica da Espanha, que soma e segue. Com um excedente orçamental e uma dívida a rondar os 40 por cento, muito abaixo da média europeia, a economia espanhola está a crescer duas vezes mais do que a média da zona euro, graças sobretudo ao investimento. A redução acentuada do desemprego (que foi muito alto nos anos 90, graças aos ajustamentos estruturais da economia) andou a par com um crescimento muito forte da população, devido sobretudo à imigração (a Espanha passou de 40 milhões para 44 milhões de habitantes entre 1999 e 2005), que representa hoje cerca de 10 por cento da população activa. Como sublinhou o economista do Banco de Espanha, a emigração ajudou a criar emprego e ajudou a aumentar a flexibilidade do mercado de trabalho, reduzindo acentuadamente a taxa de desemprego. O reverso da medalha é um crescimento moderado da produtividade, que exigirá agora novas prioridades políticas. Há sempre um reverso da medalha, mas há medalhas melhores que outras, e a grande conclusão que se pode tirar da exposição de Malo de Molina, mas também da de Felipe González que, com Mário Soares, abriu os trabalhos da conferência, é muito simples: a Espanha soube lucrar enormemente com o euro porque se preparou para ele flexibilizando a sua economia. Colocado perante uma pergunta sobre as razões do sucesso económico prolongado de Espanha, Malo de Molina apontou razões das quais todos nós já suspeitávamos. A continuidade das políticas económicas dos governos González, Aznar e Zapatero e, sobretudo, a continuidade das reformas. "O que foi fundamental foram as transformações das estruturas económicas de Espanha para se adaptar. Em Portugal foi mais lento", diria também Felipe.Foi isso precisamente que nos faltou, prepararmo-nos para o euro. "Portugal não interiorizou as exigências da moeda única. Nem o Estado, nem os sindicatos, nem as empresas", como disse Francisco Sarsfield Cabral, a quem coube a ingrata tarefa de contrapor a situação económica portuguesa à espanhola. E o problema é que continua a ser muito difícil fazer mudanças em Portugal. O debate é pobre, o Estado é omnipresente e paternalista, a sociedade civil fraca.
3. A conferência foi organizada no âmbito da Ágora, uma iniciativa anual da Junta da Extremadura que só por si reflecte o dinamismo de uma região espanhola que é das menos ricas mas que percebe que tem tudo a ganhar abolindo a fronteira que a separa de Portugal. A ideia era justamente comparar os caminhos percorridos pelos dois países - divergências e convergências - e ver se entre ambos havia interesses comuns suficientes e uma visão suficientemente partilhada para poderem pesar positivamente numa Europa hoje mergulhada numa profunda crise de destino.Em muitas coisas, os dois países convergem. Para começar, nalgumas das suas prioridades externas e na vontade de levar a Europa a agir de forma mais convincente e unida no Mediterrâneo ou na América Latina. Ambos têm o mesmo interesse vital em manter-se no "centro" da construção europeia, seja qual for o domínio da integração, da economia à defesa. Ambos procuraram (com a excepção, em parte, de Aznar) alinhar as suas políticas europeias pelo eixo franco-alemão, pelo menos enquanto funcionou como o motor da Europa, ou pela Alemanha, que funciona agora e cada vez mais como o pólo da integração. Mário Soares juntou a este património europeu comum a convergência das políticas internas, graças à identificação ideológica entre os dois primeiros-ministros socialistas, Sócrates e Zapatero, para defender em Bruxelas uma união política assente na coesão do seu modelo social. Há muito de comum entre os dois países ibéricos na forma como vêem a Europa, que radica precisamente na sua experiência feliz de integração europeia. Como sublinhou Álvaro de Vasconcelos, também em Cáceres, ao contrário do que se passa em muitos outros países, não estamos a sofrer dos males da xenofobia e do nacionalismo, não tememos os alargamentos, não somos contra a Turquia, acreditamos na força dos valores europeus. Mas esta crise europeia, como muitos participantes também sublinharam, de Felipe a Carlos Gaspar ou a Gil Robles, não é uma crise como as outras. Nem é, muito menos, apenas uma crise constitucional. A Constituição era boa, disse Felipe, mas não resolveria os problemas de fundo. Que estão mais na "agenda de Lisboa", ou melhor, no relativo fracasso de um bom diagnóstico e de uma boa estratégia, do que nas soluções institucionais.António Vitorino colocaria as coisas do mesmo modo. O problema maior é que não há um acordo sobre o que deve ser a Europa no século XXI. Há duas visões da identidade europeia - uma com Turquia e outra sem Turquia. Há duas visões da Europa sobre a sua relação com o mundo globalizado - uma que a vê como um projecto que nos protege dos ventos da globalização e que transpõe para a União Europeia o velho proteccionismo nacional. Outra que só vê um novo sentido para a Europa se nos permitir agir globalmente, económica e politicamente, com todas as consequências que isso tem nas políticas internas. Europa fortaleza ou Europa aberta? Eis o dilema europeu. Vitorino deixou também um bom conselho: "A melhor maneira de se ser optimista hoje, na Europa, é começar por ser pessimista."