segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

AINDA CAMINHAMOS PARA A CURVA DE RETORNO DO CAOS

«Como chegámos a estas amnésias, a esta memória lacó­nica, a esse olvido do presente? Que aconteceu para que hoje reine uma tal impotência de uns, um tal domínio de outros, uma tal aquiescência de todos a uma como a outro, um tal hiato? Nenhuma luta, excepto a que reivindica cada vez mais espaço para uma economia de mercado se não triunfante, pelo menos omnipotente e que, é evidente, tem as suas lógicas, mas às quais já não se contrapõe nenhuma outra lógica. Todos parecem participar do mesmo campo, tomar o estado actual das coisas como o estado natural, como o próprio ponto em que a História esperou por nós.
-Não subsiste qualquer apoio aos que não têm nada a per­der. Só o outro discurso se faz ouvir, ensurdecedor. Algo de totalitário paira sobre nós. De terrífico. E como únicos comen­tários os do senhor Homais (1), mais eterno, oficial, solene e plu­ral que nunca. Os seus monólogos. O veneno que guarda.

1. O farmacêutico de Madame Bovary, de Flaubert (N. da T.).

(…)

Para o assalariado, trata-se de estar disponível para todas as viragens e caprichos do destino, neste caso dos patrões. Terá de contar com mudanças constantes de trabalho ( « como quem muda de camisa», diria a ama Beppa). Mas, a troco da certeza de ser atirado «de um emprego para outro», terá uma «garantia razoável» – isto é, nenhuma garantia – «de encontrar um emprego diferente do que perdeu, mas ganhando o mesmo». Tudo isto está carregado de bons sentimentos, mas andar a saltitar de empregos insignificantes para insignificantes empregos não tem nada de novo, e quanto às «garantias razoáveis», desde já se prevê que serão sempre e imediata­mente consideradas «não razoáveis» e inexistentes. No entanto, inventou-se uma bugiaria para distrair as massas. Convém não esquecer: empregabilidade.
O termo fará sucesso. Imagina-se o grau de profissionali­zação desses «empregabilizados», pelo menos o suposto, o grau de interesse que poderão dedicar ao trabalho, o progresso e a experiência que nele adquirirão. A qualidade de peão subs­tituível, de nulidade profissional que lhes será conferi da. E não se trata, de forma alguma, de uma vida de aventura oposta a uma existência de empregado de escritório, mas da acentuação de uma fragilidade que os tomará ainda mais vulneráveis. Com a preocupação sempre renovada da aprendizagem, sem ter grandes hipóteses de vir a ser competentes. Claro, aqui não se põe a questão de uma profissão. Em cada nova tentativa, será preciso actualizar-se, procurar não desagradar a desconhecidos, sem a esperança de fazer amigos ou obter um lugar, uma situa­ção, um estatuto próprio, por mais ínfimos. Muito menos um «local» de trabalho. A existência oscilará sempre entre a obses­são de não perder rapidamente esse posto, mesmo indesejável, indesejado, e a de encontrar outro depois de o perder. Obses­sões tais que, apesar das horas de inactividade, não deixarão espaço para outras ocupações, da mesma forma que esse modo de vida, mesmo temperado por uma «garantia razoável», tam­bém não as proporá nem permitirá.
Pelo menos, podemos alegrar-nos pelo facto de deixar de ser necessária a existência dos sindicatos em semelhantes pai­sagens. As mudanças permanentes, a brevidade das estadias em empresas em cujo funcionamento a pessoa não tem tempo de se integrar, limitando-se a estar de passagem, isolada, torná-los-ão inoperantes
Viviane Forrester, in "O HORROR ECONÓMICO"

1 comentário:

PAH, nã sei! disse...

Querido Aquiles,

vou seguir o conselho do seu post anterior...
Aliás... um dia destes vou escrever um próprio... as desventuras e aventuras de um amor inesperado :)