segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

AQUELE OLHAR


E que importância teve esse mito da Sétima ldade para Portugal? lsso interferiu de alguma forma nos destinos de Portugal?
- A senhora já pensou nisso diante dos painéis de São Vicente? Olhe como está aquela gente! Eu levei lá uma vez o Kane, um amigo meu que foi director da Faculdade de Letras e Ciências Humanas da Universidade de Dacar no Senegal. Ele veio aí e eu levei-o aos painéis. Expliquei-lhe rapidamente duas ou três coisas que se podem dizer dos painéis, sem erro. Número um, que é a única pintura do mundo em que uma nação tira o retrato. Não há, nunca houve em parte nenhuma, uma nação inteira a tirar e retrato. Todos os da nação, dos pescadores aos guerreiros, aos filósofos, aos juristas, aos mouros, aos judeus, uma quantidade de gente, extraordinário! Segundo, que é uma cerimónia religiosa, que ninguém hoje distingue por mais sábio que seja em coisas religiosas. Terceira coisa, é que há ali figuras históricas, aquilo é do fim do século XV, aquele rei é D. Afonso V, isso sabe-se e já com o infante se discute, se aquele sujeito do chapeirão é o infante D. Henrique ou talvez seja o D. Duarte, não se sabe bem, mas não importa. Dei-lhe duas ou três coisas desse género de explicações. Não entrei em mais pormenor nenhum para não atrapalhar e o homem ficou olhando e, depois, disse-me só uma coisa, a primeira vez que a ouvi a alguém olhando os painéis: «O olhar daqueles homens é espantoso, porque estão a olhar a realidade e o irreal do futuro!» Veja só, veio aquele senegalês, sabe, com uma definição do olhar daquela gente, que é uma coisa espantosa, muito bonita! Então é isso. A nação portuguesa sempre teve essas ideias sabe? Sétimas ldades, Espírito Santo e tal, mas ao mesmo tempo olhando bem as realidades, sabendo bem a sua matematicazinha, a sua náutica, todas essas coisas gue se têm de saber ali no concreto, no real. Podia ser muito interessante que três vezes cinco fossem dezasseis, só que não, são quinze. E, por outro lado, uma capacidade de passearem ao mesmo tempo pelos jardins do irreal e do imaginário, extraordinária!
Antónia Sousa, in "O IMPÉRIO ACABOU. E AGORA?" - Diálogos com Agostinho da Silva

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