sexta-feira, 30 de maio de 2008

O NOSSO PATRIOTISMO

O patriotismo emocional é um fogo de palha, que ora se inflama à notícia de um efeito desportivo, ora se afunda por completo ao aceitar sem um assomo de resistência as leis, os actos de governação, as propostas polí­ticas, culturais ou estéticas mais radicalmente avessas aos interesses nacio­nais, à vontade de regeneração segundo a identidade portuguesa ou às tra­ves mestras da nossa estrutura cultural.
O patriotismo familiar, habitual e espontâneo não é suficiente para fundamentar uma convicção patriótica resistente, coerente e à prova de todos os exteriores, modas e ideologias deformadoras. Ele exige na verdade, ao seu nível e para além dele, a religação àquilo a que poderíamos chamar o patriotismo racional de elites conscientes do significado dos valores que nele se representam. A comunhão colectiva do patriotismo, para não degenerar em fanatismo, em psicologia de rebanho ou em vacuidade sentimen­tal à flor da pele, depende da capacidade intelectual de uma geração para formular a sua própria patriosofia: religação a um centro axiológico, inte­lectual e criacionista do qual derivem, como em círculos que se esbatem quanto mais dele se afastem, as formas mais ou menos despertas de tal convicção.O que na realidade se esbateu ou desapareceu quase por completo entre nós não foi o patriotismo emocional que, por ser insuficiente, é muitas vezes manipulado por ideólogos e demagogos de má fé, foi a relação fun­damental da substância e dos princípios da identidade pátria com a sua razão teleológica em movimento, relação que um dia corporizou no projecto áureo português, centro vital e motor de tradição lusíada, e que aguarda a reactivação ou a renovação sempre possíveis desde que se cumpram as imprescindíveis condições.
António Quadros, in "PORTUGAL, Razão e Mistério - I"
O muito que eu devo a este português, que nunca conheci. Infelizmente, julgo que a grande maioria dos portugueses não conhece nada da sua obra. O que faz de todos nós um povo paupérrimo.

NINGUÉM

Ninguém, das dezenas de pessoas que por este blog passou, colocou um comentário ao facto de um bébé de 15 dias ter ido para Lisboa sem a sua mãe, para o hospital D. Estefânia. Eu já sabia que a fome, as guerras, as misérias e os desplantes servidos a acompanhar o jantar pelos telejornais, estupidificam as populações. Mas não esperava que retirassem a capacidade de se indignarem. Estava enganado. Já se perdeu essa capacidade. Paciência. É a vida.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

HOJE, UM BÉBÉ ...

Foi para Lisboa, para o Hospital da Estefânia. Tem 15 dias. A mãe não foi, por falta de capacidade económica, e a ajuda da assistência social é insuficiente para estar em Lisboa. Um bebé de 15 dias foi sem a sua mãe. Quando, no continente, criticarem algumas coisas nas ilhas, e algumas até serão justas, pensem primeiro no que é a insularidade, sobretudo num país como o nosso. Em que os deputados se auto-aumentam nas despesas de representação. Mas representam o quê?

segunda-feira, 26 de maio de 2008

E PORQUE É QUE NÃO SE FALA DE QUEM CONDUZIU O PAÍS PARA O DÉFICE EXCESSIVO?


Todo o mundo fala dos sacrifícios que o país tem de fazer, em reduzir o défice, etc.. Mas dos culpados que, por políticas totalmente erradas e desajustadas da realidade, conduziram o pais para esse beco, ninguém fala. Todos assobiam para o lado como se não fosse nada com eles. É a vida, foi a única resposta que ouvi sobre o assunto. Podem fazer asneiras que o povo só pode julgar nas eleições. E asneira feita, paciência. Culpados? Que é isso? E o país não se revolta? “Gentinha morna”, como nos classificou Mercia Eliade, no seu «Diário Português».

sexta-feira, 23 de maio de 2008

ESBOROAR

É, quanto a mim, o termo que melhor define o Portugal actual. As pontes caem. O interior despovoa-se. Não há nenhuma estratégia nacional seja para o que for. E internacional é melhor nem falar. A ignorância passou a ser apanágio do ensino. Dos professores e dos alunos. Não temos frota. Não temos governantes capazes. Não se faz manutenção eficaz das estruturas existentes. Já não temos vergonha. Temos 1/5 da população mergulhada na pobreza absoluta. E mais 2/5 a caminho dela. Os ministros mentem e os portugueses já acham normal. Portugal está em guerra civil nas estradas. Mas não com a corrupção. Os monumentos, parcos e serôdios estão no desmazelo. Um tribunal, relativamente novo tem de ser abandonado por que pode desmoronar. Não há culpas, e nunca responsáveis. Os orçamentos é que derrapam. O país está a esboroar-se. É o termo certo. ESBOROAR. E só me lembrei de um pai chinês que desfazia em pó, esboroando, com as suas mãos, os materiais com que a escola, que sepultou o seu filho, tinha sido construída. O que falta para os pais portugueses fazerem o mesmo?

quinta-feira, 22 de maio de 2008

O CAMINHO

Andamos sempre a deambular à volta da grandeza ou da pequenez de Portugal. No fundo o máximo que podemos aspirar é discutir se somos ou não o último dos 25. Que caminhos percorremos até aqui chegar? VPV deu uma excelente resposta a esta deambulação no seu último artigo no Público Domingo passado:
Um dia, em 1977 ou 1978, Diogo Freitas do Amaral, um jovem patriota de grande fervor, disse que um povo - como o nosso -, que tinha descoberto o caminho marítimo para a Índia, era com certeza capaz de descobrir o caminho para o desenvolvimento. Nunca me esqueci desta frase, porque, no fundo, se descobrimos o caminho marítimo para a Índia, foi precisamente porque não descobrimos o caminho para o desenvolvimento.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

NOS TEMPOS DO ABSURDO

Continuando na linha que venho desenvolvendo não posso deixar de colocar aqui um trecho de uma entrevista, no Expresso do passado Sábado, a D. Manuel Martins.

A forma de actuar da Igreja mudou...
Hoje, a nossa Igreja é um arquipélago. Vive-se para a liturgia, não é evangeliza­dora. Acho que a Igreja não está a «funcionar», a comportar-se como Jesus quer. Já ninguém sai da missa «incomo­dado» na sua consciência com a litur­gia... A Igreja perdeu a capacidade de «sujar» as mãos com a vida dos homens. A Igreja deveria manifestar-se mais. Por vezes, acredita mais no Belmiro de Azevedo e outros, anda pendurada em dependências... A Igreja evangeliza por sinais e a nossa, em Portugal, não tem dado sinais.

Que sinais são precisos?
Que a Igreja seja pobre. Gostava de uma Igreja que não condenasse, que dialogas­se, que derrubasse muros, que comungas­se os problemas do mundo, que ouvisse os clamores das pessoas e lhes soubesse responder. Quero uma Igreja que apren­da com o mundo e descubra uma maneira nova de estar.

Como é que a Igreja deveria estar no mundo?
No ano 2000 (Ano do Jubileu do Cristianismo), os bispos queriam dar um sinal; Achei que deveríamos ter encerrado as igrejas para fazer uma reflexão de renovação. Senão enquista-se, torna-se empresa. Gostava, que os pobres notassem que a Igreja está incomodada com a sua situação... Os bispos deveriam reunir-se para reflectir os problemas que existem, como deveríamos sensibilizar as comunidades. Mas nas assembleias episcopais vão discutir mais um catecismo, mais uma edição da Bíblia. O arcebispo de Braga (presidente g Conferência Episcopal) lamenta-se que o Governo quer a Igreja na sacristia; só quando se sente que «tocam» na Igreja é que se diz alto que não está bem... É preciso que Igreja se converta ela mesma à dignidade humana. Nas homilias fala-se dos marginais, mas não se faz nada com eles.

E porquê tanta inacção?
Preferimos andar «nisto», que não incomoda da ninguém... As pessoas da Igreja já perderam capacidade de protesto. Por exemplo perante a lei de trabalho que querem colocar em vigor, não percebo como é que a Igreja se cala, diante de uma agressão tão grande aos direitos da pessoa humana! É iníquo a Igreja calar-se. Dói-me que a Igreja ande entretida com coisas outras e não se empenhe numa questão tão importante para a vida da população, do país. Antes de tudo, é preciso que a Igreja se converta a ela mesma. A Igreja tem de estar num esforço permanente de reconversão. Depois Ela tem de sair para a rua, para que povo note que está ao serviço do Homem. Toda esta descoberta da dignidade funda-se na democracia, que passa pela vivência e pelo testemunho de uma descoberta de valores e estamos muito longe de qualquer coisa a que se possa chamar de democracia

terça-feira, 13 de maio de 2008

SEMPRE CONSTANTE

O tempo é constante mudança. A percepção que temos desse tempo, da intuição dessa constância e da inflexibilidade dessa mudança é que nos predispõe para o futuro. Se distinguimos o suficiente, então vamos na onda. Senão, vamos empurrados pelas vagas sucessivas das ondas. Arreigados a um conservadorismo de tempos estáveis, seremos arrastados pela avalanche determinada pelo fluir das pressões acumuladas, e resultantes dos egoísmos de partilha. Eterno é o tempo, mas constante nessa eternidade é a mudança. Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar. Assim se badalava na década de 60. Mas ignorámos. Era mais cómodo. Diria mesmo que era mais aconchegante, mais fetal. Não ousámos e nem lutámos pela defesa de princípios. Agora parece que já ninguém tem coragem para o fazer. Defenderam princípios, mas quiseram enriquecer. Ou simplesmente enriqueceram descurando os princípios. O eterno antagonismo. Princípios e enriquecimento não são compatíveis.

(Como não fazem comentários, apesar de por aqui passarem a ler, julgo que estes temas não são agradáveis. Julgo que futebol facilitaria mais.)

E hoje volta a citar uma excelente dissertação, "DIÁLOGOS ABSURDOS - O silêncio traduzido em gritos pelos monstros de Samuel Beckett", de Sara Massa. Espero que seja a última citação dela. A próxima será a minha crítica sobre a excelente dissertação.
As personagens beckettianas revelam-se através do seu próprio discurso, na primeira pessoa (segundo um modelo autodiegético), de modo fragmentário e de difícil compreensão, estendendo o seu discurso por tempos e espaços indefinidos, e esquecendo-se, ainda que propositadamente, de agir. A verdade é que todas parecem estar conscientes do absurdo que está subjacente à nossa existência e, por conseguinte, buscam, incessantemente, mas com naturalidade, o silêncio e o nada. O que Beckett nos mostra é, em última análise, um reflexo daquilo que realmente somos, mas aquilo que mais nos espanta ao lê-lo, hoje, é a dificuldade que a humanidade manifesta em se rever naquelas personagens monstruosamente belas.
É hora de nos olharmos com coragem neste espelho que são as obras de Samuel Beckett. Só quem se conhece pode conhecer os outros e pode permitir-se sonhar compreender melhor o mundo. Deixarmo-nos esquecer, alienarmo-nos das reflexões mais sérias e, por isso, mais exigentes sobre a natureza e responsabilidade humanas, e ignorarmos que a nossa dignidade reside única e exclusivamente na capacidade de pensar o tempo é o mesmo que desumanizarmo-nos, embrutecermo­ -nos, deixarmos de ser um belo monstro, para nos transformarmos em mais um dos autómatos amontoados nas sucatas deste planeta. Não o faremos. Tentaremos compreendere-nos). Beckett acredita que temos de continuar. Continuemos...

sábado, 10 de maio de 2008

A FOME INFAME

Este é o título do artigo de Boaventura de Sousa Santos, publicado na Visão de 8/5/2008. Muito pertinente. Eis aqui um trecho:
O escândalo, finalmente, estalou na opinião pública: a substituição da agricul­tura familiar, camponesa, orientada para a auto­-suficiência alimentar e os mercados locais, pela grande agro-indús­tria, orientada para a monocultura de pro­dutos de exportação (flores ou tomates), longe de resolver o problema alimentar do mundo, agravou-o. Cerca de um sexto da humanidade passa fome; segundo o Banco Mundial, 33 países estão à beira de uma crise alimentar grave; mesmo nos países mais desenvolvidos, os bancos alimen­tares estão a perder as suas reservas; e voltaram as revoltas da fome.
A opinião pública está a ser desinforma­da sobre esta matéria, para que se não dê conta do que se está a passar.
Porque é explosivo: a fome do mundo é a nova grande fonte de lucros do grande capital finan­ceiro e os lucros aumentam na mesma proporção que a fome. A fome no mundo não é um fenómeno novo. Ficaram fa­mosas na Europa as revoltas da fome, desde a Idade Média até ao século XIX. O que é novo são as suas causas e o modo como as principais são ocultadas.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

A CUPIDEZ DO LUCRO

Reparei que a sociedade aberta estava ameaçada nos Estados Unidos por outra tendência: as actividades que costumavam ser vistas como profissões estavam a transformar-se em negócios. Isto aplicava-se a profis­sões como o direito e a medicina - já para não falar da política. Quando as profissões se transformam em negócios concentrados no lucro, as exigências profis­sionais ficam em perigo; isto, por sua vez, reforça a falta de valores característica das sociedades abertas. A minha preocupação derivava directamente da minha estrutura conceptual. Levou-me a criar projectos sobre as profissões ligadas ao direito e à medicina. Os pro­jectos ganharam então vida própria e foram aplicados em várias actividades importantes, mas não contribuí­ram muito para resolver o problema que levara à sua criação. A justiça criminal acabou por ser o campo onde a fundação americana mostrou realmente o seu vigor, por causa do historial da sua liderança em ter­mos de direitos humanos e liberdades civis e também por haver tanto que fazer.
Mas a falta de respeito pelos valores profissionais tornou-se ainda mais pronunciada do que era quando alargámos os nossos projectos às profissões ligadas à ciência e à academia. Os direitos de propriedade inte­lectual tinham transformado o pensamento em pro­priedade. A investigação é feita mais com o objectivo de gerar riqueza do que puro conhecimento, e a aca­demia está a perder a sua identidade como um fim em si mesmo. A corrida aos direitos de propriedade inte­lectual inibe a busca da verdade.
Para piorar as coisas, a ciência e a academia estão a sofrer ataques motivados por ideologias. Na ciência, os defensores da concepção inteligente* exploraram a tolerância de hipóteses alternativas reivindicando a mesma importância para a sua teoria não científica; na academia, um grupo de direita aproveitou a luta por um melhor equilíbrio racial e sexual para exigir a diversidade política, introduzindo assim os partidos políticos no recrutamento académico. As universidades têm dificuldade em resistir porque as quotas raciais e sexuais debilitaram o princípio de recrutamento baseado exclusivamente no mérito.
Tal como a mentalidade dos negócios entrou em áreas a que não pertence propriamente, a política faz agora o mesmo. Estas tendências colocam em perigo a sociedade aberta.
George Soros, in " A ERA DA FALIBILIDADE"

AUTORITARISMO DA MEDIOCRIDADE

Portugal é o único país do Ocidente em que o autoritarismo, acompanhado ou não pela insignificância e a mediocridade, é uma recomendação decisiva para o eleitorado. E Portugal é o único país do Ocidente que espera do Estado a sua salvação. A política não criou um português diferente, como tanta gente (boa e má) sonhou: um português tolerante, democrático, solidário, com autonomia e iniciativa. A política mascarou o português que por aí anda com alguns sinais de civilização. No resto não tocou.
VPV, hoje, no Público.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

DECORAR CHÁVENAS DE CAFÉ

Esta tese, necessariamente marcada com uma tonalidade ensaística, é uma tentativa simples e despretensiosa de conseguir algum contentamento num tempo triste. Numa época, em que os versos de Femando Pessoa servem o propósito fácil e comercial de decorar chávenas de café e panos de loiça, sem que deles se colha qualquer outro fruto, nós sentimos a necessidade de pensar alto e partilhar, através da escrita, estes nossos pensamentos.
Este trecho está na introdução da dissertação de mestrado de Sara Massa, intitulada "DIÁLOGOS ABSURDOS - O silêncio traduzido em gritos pelos monstros de Samuel Beckett".
Uma dissertação a ler com muita atenção.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

LEALDADE

Lealdade nunca é subserviência. São duas coisas muito diferentes. E tem mais: os subservientes jamais são leais, pois não passam de cobardes num jogo constante de obediências no objectivo de apurar proveitos, quantas vezes indignos.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

AS ASAS DO PORTUGUÊS

Um excelente artigo de José Eduardo Agualusa intitulado "EÇA DE QUEIRÓS E AS ASAS DO PORTUGUÊS", publicado na revista LER nº 69, deste mês. Artigo que deve ser lido na íntegra. Mas relevo aqui três passagens desse artigo:



Hoje debruço-me sobre Portugal de uma va­randa mais vasta - a Eternidade - e de novo me aflige o desdouro. Não que Portugal esteja pior do que há cem anos; está todavia mais pequeno. Já nem é bem um país – é um resumo.
(...)
Hoje erramos em ponto pequeno, e ainda por cima por imitação. Além disso, sendo minúsculos, ainda guardamos a memória do tempo em que fomos grandes, e isso é pior do que ser pequeno sem jamais ter sido grande. É um destino em tudo idêntico ao da bela mulher que envelhece.
(*)
(...)
Há tempos passeava eu, placidamente, era um fim de tarde lento e melancólico, junto aos fortes portões do Paraíso, quando vi chegar um português. Via-se pela alma que fora um homem sem maldade. Também se via, olhando melhor, que fora inteiramente sem maldade, não por um esfor­ço de vontade, mas por pura preguiça. São Pedro recebeu-o com um fatigado abraço - lembrem-se que findava o dia - e estendeu-lhe um par de asas. O português protestou: «E que farei eu com essas asas?» São Pedro, encolhendo os ombros magros: «Ora, filho, voa!» O português recuou, aterrado: «Ah não! Isso é que não pode ser! Fique lá o senhor com as asas que eu se vim para aqui foi para descansar.» E assim vamos nós.

(*)Sobre este tema da memória do termos sido, já tenho, recorridamente, divagado por aqui. O último, alguns postes abaixo, foi "O passado cabe todo num livro de 600 páginas"


domingo, 4 de maio de 2008

O DESEMPREGO ULTRAPASSA, E MUITO, A FRIEZA DOS NÚMEROS. SÃO PESSOAS.

Sobre o desemprego destaco um trecho de um bom artigo do Pacheco Pereira, retirado do seu blog ABRUPTO.

Mas nem por não se ter qualquer solução a curto prazo, a sociedade, nós todos, devemos deixar de olhar para cada um destes desempregos colectivos de mulheres sem a preocupação de vermos e sentirmos a devastação que ele tem por trás, o atraso social que isto significa para Portugal. Estas mulheres não vão educar os seus filhos da mesma maneira, vão reproduzir melhor o Portugal antigo do que preparar o novo. Elas sentem que falharam, tinham algumas ilusões que perderam. Mas nós falhamos mais se não temos a consciência de fazer alguma coisa. Porque se pode, na acção cívica, no voluntariado, no mundo empresarial, na política, fazer muita coisa por estas mulheres. O que é preciso é vê-las e à sua condição e não as cobrir com o manto diáfano da inevitabilidade. A começar pelo Governo, que mais uma vez se vai voltar para o betão e não para as pessoas.
(Versão do Público, de 3 de Maio de 2008.)

sábado, 3 de maio de 2008

PELOS EX-COMBATENTES

Aqui vai o

DISCURSO DO EXMO. GENERAL VASCO ROCHA VIEIRA, NA COMEMORAÇÃO DO 90.º ANIVERSÁRIO DA BATALHA DE LA LYS, BATALHA - 9 de Abril de 2008, DIA DO COMBATENTE

"Vivemos tempos de crise.
São tempos em que se esquecem valores, em que se afirmam antagonismos sem sentido de comunidade, em que se foge para o individualismo como pretexto para não assumir a responsabilidade de defender a colectividade.
São tempos de máscaras e aparências, em que se esquece o valor do serviço e o respeito pela realidade.
São tempos sem glória.
São tempos em que as lamentações das vítimas esquecem os exemplos dos heróis.
São tempos que ignoram o passado da independência e anunciam um futuro sem liberdade.
São tempos de resignação e de fatalismo.
O que o presente nos mostra exige que se diga que não queremos ir por aí, que não vamos por aí.
Entre a ilusão que nos engana e a realidade que nos interpela e desafia, temos de saber escolher a verdade efectiva das coisas.
Temos de saber construir o futuro com a nossa vontade, enfrentando a verdade das coisas e das forças, vendo-as como elas são, e não como, por ingenuidade ou por desalento, gostaríamos que fossem.
Estes também são tempos para voltarmos aos valores essenciais, para defender a memória dos que construíram Portugal independente, para honrarmos a responsabilidade de deixar aos sucessores mais do que aquilo que herdamos dos que nos antecederam.
É por tudo isto que estes não podem continuar a ser tempos de resignação e de fatalismo.
Perante dois camaradas nossos, tombados em combate em terras da Europa e em terras de África, afirmamos e honramos aqueles que, sujeitos à condição militar, venceram a luta pelo prestígio pagando como preço a própria vida.
Todos os que tombaram em combate, todos os que perderam uma parte da sua vida em nome do dever militar, têm o direito à nossa homenagem.
É isso que distingue os homens livres dos escravos.
Pouco importa se venceram ou perderam a guerra em que morreram.
Quem combate, quando combate, não conhece o fim da História.
Não tem a distância do crítico, nem a serenidade do historiador.
É sujeito da condição militar, prossegue os desígnios da política pelos meios extremos da guerra.
Não teme a morte, porque sabe que só quem não tem medo da morte pode afirmar a vida, para ele e para os seus.
Quem combate não declarou a guerra.
Combate porque essa é a sua condição militar, combate para que a sua pátria não venha a ser terra de escravos.
Combate para que os que detêm a responsabilidade política conduzam os destinos do país até aos tempos de paz, de desenvolvimento e de cooperação.
Combate para que a guerra tenha um fim.
Faz a guerra com a finalidade na paz.
Mas não haverá paz, só haverá escravatura e dependência, se não assumir essa responsabilidade de fazer a guerra.
Foi esse o caminho que escolheu quando aceitou assumir a condição militar.
Todas as sociedades que se organizaram até atingirem a condição de serem independentes, de serem habitadas por homens livres e não por escravos, assentaram em três pilares, em três funções constituintes e integradoras, formadoras da sua identidade: o agricultor, o religioso, o guerreiro – o que trabalha a terra, o que trabalha as ideias, o que trabalha as armas e assume o combate.
A evolução das civilizações e das culturas foi alterando estas designações, mas não alterou os seus conteúdos e os seus valores, não alterou o papel integrador destas três funções.
A subsistência material da comunidade, a condução da evolução da sociedade dentro de uma visão do mundo e realizando o critério da justiça, a defesa dos valores e das liberdades de todos os que vivem nesse território, podem designar-se hoje como economia, como política e como defesa, mas estes três pilares continuam a ser os factores constituintes da independência e da liberdade.
Nenhum desses pilares existe sem os outros, todos são necessários para que a comunidade nacional produza riqueza, afirme a sua independência, garanta a sua liberdade, defenda os seus valores.
Os que esquecem esta interrelação, os que ignoram a necessidade dos três vectores, condenam-se a perder tudo: a autonomia económica, a independência política, a liberdade cívica, o sentido dos valores.Condenam-se à pobreza, à subordinação, à escravatura, à perda do futuro.Estes são riscos reais que se configuram nestes tempos de crise.
Ignorá-los, esquecer a exigência da mobilização para os enfrentar, seria um acto de traição.Traição à Pátria, certamente.Mas também traição a nós próprios, traição ao que nos foi deixado em herança, traição aos nossos valores de independência e de liberdade, traição ao nosso sentido de dignidade.
Perante dois portugueses sem nome, que morreram cumprindo a obrigação da sua condição de militar, devemos-lhes a determinação e a mobilização com que se poderá vencer estes riscos reais com que estamos confrontados.
Para que o seu sacrifício não tenha sido em vão, somos nós que temos de preservar os valores da condição militar, aceitando o combate quando isso é inevitável para não sermos condenados a um destino de escravos.
Escravos de outros poderes ou escravos das ilusões, escravos de ideologias ou escravos de fantasias, escravos de compradores ou escravos de credores, mas sempre sem liberdade, sem identidade e sem dignidade, sem voz e sem direitos.
Os combatentes que se reúnem aqui, hoje, vindos das mais diversas partes de Portugal, renovam o seu compromisso de honra para com a Pátria, prestando homenagem aos que morreram em seu nome para que haja liberdade e independência.
Os que aqui estão, combatentes do nosso tempo, ganharam o direito, pelo seu sacrifício e pela sua lealdade, a que lhes seja reconhecido o mérito, a coragem e a dedicação de quem soube assumir as suas responsabilidades.
Nos tempos de crise, como são os que vivemos, tudo parece complexo, intrincado, irresolúvel, irremediável.
Não é assim, não tem de ser assim.
E só será assim se nos faltar a vontade, se perdermos o sentido da dignidade, se abandonarmos o valor da liberdade.
As crises têm uma origem, têm uma trajectória, têm um diagnóstico, têm uma terapêutica, têm um tratamento.
É neste quadro que a condição militar, assumida no juramento que é feito por cada elemento das Forças Armadas, ganha um peso simbólico superior.
A função militar, a responsabilidade pela defesa, é apenas um dos alicerces em que assenta uma sociedade independente e livre.
Não se substitui aos outros alicerces, às outras funções, mas é sua obrigação contribuir para que as outras funções tenham todas as condições para se cumprirem.
Se cada um – produtor, político, soldado – for fiel às obrigações da sua função, se cada um aceitar todas as responsabilidades da sua condição, se cada um respeitar o juramento que faz perante todos os outros de que defenderá a independência e a liberdade, encontraremos as respostas para as dificuldades, seremos capazes de superar a crise.
Esse será o resultado do regular funcionamento das instituições democráticas, conjugando, com inteligência, com realismo e com determinação, o produtor, o político e o soldado – isto é, o crescimento económico, a orientação estratégica na resolução dos conflitos de interesses e a defesa da independência e da liberdade.
E é no estrito respeito pelas normas do regular funcionamento das instituições democráticas que os que são sujeitos da condição militar, por opção de vida e por fidelidade a um juramento de honra, têm legitimidade para esperar dos responsáveis políticos as condições necessárias para o efectivo cumprimento das missões que lhes são atribuídas.
As sociedades precisam da instituição que, na obediência da condição militar, tem por valor superior a sua defesa.
No quadro da sua estrita responsabilidade de defesa da independência e da liberdade nacionais, as Forças Armadas não escolhem as missões que lhes são atribuídas pelos responsáveis políticos.É aos responsáveis políticos que pertence a responsabilidade de fazerem corresponder as missões que atribuem aos militares com os meios que põem a disposição dos que colocam em risco as vidas para as cumprirem.
A unidade das Forças Armadas, condição essencial para que cumpra a sua função de defesa da unidade nacional, não pode, em nenhuma circunstância, ser posta em causa ou em dúvida.
Mas a dignidade das Forças Armadas exige que ao seu quadro de missões corresponda o adequado sistema de meios.
Junto aos túmulos de dois soldados, renovamos o juramento que nos integrou na condição militar.
Como sempre, em tempos de estabilidade e em tempos de crise, a unidade das Forças Armadas é uma condição necessária para a defesa da independência, para a garantia da liberdade e para o regular funcionamento das instituições democráticas.
Outros contribuirão para que a esta condição necessária se juntem as condições suficientes para que os portugueses possam construir o seu futuro por afirmação da sua vontade e dos seus valores.Viva Portugal."

A NOSSA CRUZ SÃO SEMPRE ELES, OS MEDÍOCRES

«Há um ou outro videirinho, um ou outro aventureiro, um ou outro louco - um grande homem ou uma grande mulher não há. Quem vai perder tempo com as mediocridade que, só Deus sabe porquê, nos pastoreiam hoje?E que têm elas para oferecer, além de uma retórica morta e desprezível.
(...)
Quando por acaso "adere" a um partido, a juventude que por aí anda quer, como lhe compete, um emprego. Não se lhe pode pedir que queira diferente ou queira mais.
(...)
Agora, com a democracia estabilizada e a economia de mercado, o indivíduo não pertence a "parte" alguma e não partilha nenhum destino. Aprendeu a desconfiar do Estado e da mítica igualdade que o Estado pretende estabelecer; e, sobretudo, a contar exclusivamente consigo. Não vê a política como um encontro e uma comunidade. Vê a política como um negócio e uma questão de clientelas. Não se interessa? Claro que não se interessa.»
VPV, hoje, no Público.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

E A NOSSA GEOESTRATÉGIA

A propósito do post anterior, este trecho do Prof. Adriano Moreira publicado no DN em 30.12.2003:

No caso português, parece que a relação com o mar está a exigir atenção, e é inquestionável que ela interessa de maneira essencial à identidade nacional. São já muitos os aspectos em que se desdobra o risco de erosão, a começar pelo conflito entre o europeísmo e o americanismo. Não parece dispensável assumir que o afastamento dos mais poderosos Estados da frente marítima europeia de solidariedade atlântica, obrigará os restantes a reflectir sobre a relação entre a sua condição economicamente periférica, e a sua geografia de fronteira entre as duas concepções estratégicas. A questão do mar e da identidade está envolvida no processo, dependente de interesses exógenos que não a terão em conta. O tema das capacidades, e a definição de força naval ganham em relevância e exigência de um conceito estratégico nacional até agora de difícil concretização. Por outro lado, o tema das autonomias e da outra Europa, para um país que tem a nossa estrutura geográfica, exige um empenho que inclui o esforço pela manutenção de uma presença efectiva no mar, e pela defesa e reforço da identidade em resposta a uma conjuntura volátil. Tão volátil, que os efeitos dos compromissos europeus sobre a zona económica exclusiva parecem ter surpreendido até os informados, impondo avaliar com urgência a dimensão que resta da frota pesqueira, a relação desta com a dependência de recursos, e o efeito sobre a consistência da presença do mar na identidade portuguesa.

ESPAÇO VITAL

É um conceito muito caro a quem se interessa por geoestratégia. Hoje, no Público, vem esta notícia sobre uma comunicação feita pelo director da CIA numa universidade, sobre a qual não se pode deixar de reflectir:
O crescimento populacional e a maré cheia da imigração são os novos desafios que os Estados Unidos terão de enfrentar no próximo meio século, considerou o director da CIA, Michael Hayden, num discurso na Universidade do Kansas. Em 2050, o número de seres humanos na Terra deve subir dos actuais 6700 milhões para 9000 milhões. Nos próximos 40 anos, disse Hayden, citado pelo jornal The Washington Post, o crescimento projectado de 33 por cento da população será um dos factores mais significativos para a segurança no século XXI. A pressão populacional reduzirá os recursos e alimentará movimentos extremistas e de insurreição civil em vários pontos do globo, disse Hayden. "A maior parte do crescimento populacional será nos países com menos condições para o suportar." Espera-se que a população do Níger e da Libéria triplique nos próximos 40 anos. A pressão para garantir alimentos, abrigo e emprego para tantos milhões de pessoas "pode fazer com que muitos se sintam atraídos pela violência ou pelo extremismo", considera o director da agência de espionagem norte-americana. Nesta visão da CIA, os países mais ricos, as divisões étnicas e raciais, sublinhadas pela imigração, podem criar problemas de segurança, em especial nos países europeus com muitos imigrantes muçulmanos. Por outro lado, Hayden considera que a Europa e os EUA vão continuar a divergir na forma como lidam com o terrorismo. "Eles [os europeus] tendem a não vê-lo como nós, como um grande desafio internacional. Encaram o terrorismo mais como um problema de vigilância policial." A terceira tendência para os próximos 50 anos identificada por Hayden é a da emergência da China como uma potência económica e militar. Mas isso não tem de ser uma ameaça: "Se Pequim começar a aceitar mais responsabilidades no sistema internacional, manter-nos-emos num caminho competitivo mas construtivo."