quarta-feira, 25 de março de 2009

DISTRACÇÕES

Ultimamente tem-se falado muito da fraca, ou fraquissima, qualidade dos governantes, em geral, por esse mundo. Esta crise global não apareceu por obra e graça do Espiríto Santo de um momento para o outro. Foi-se anunciando. E fez testes de exibição para prenunciar a sua chegada. Muita gente por esse mundo, mais esclarecida e competente na matéria, entendeu-a e anunciou-a. Mas todos, absolutamente todos, tentaram ignorar. Enfim, ninguém gosta de chatices. Mas leiam agora este trecho em que se anuncia claramente a crise, com causas, consequências e remédios. É do livro «A ERA DA FALIBILIDADE», de George Soros, e foi escrito em 2006. Se há políticos que não lêem jornais, muito menos leram este livro.

PERSPECTIVAS ECNÓMICAS
Na altura em que escrevo este livro, a economia global encontra-se estável. Existem alguns desequilíbrios, fundamentais, dos quais os mais fulgurantes são o défice comercial dos Estados Unidos e o excedente comercial asiático, mas estes desequilíbrios podem durar por tempo indefinido, porque quem está disposto a pedir emprestado encontra sempre alguém disposto a emprestar. Não há sinais de uma crise financeira e os mercados globais têm sido notavelmente flexíveis para absorverem os choques, como o aumento do preço do petróleo. As autoridades financeiras estão seguras de que, com uma boa supervisão financeira, os mercados podem cuidar de si mesmos. Talvez a única nuvem no horizonte seja o facto de alguns países em desenvolvimento, como a Indonésia, a África do Sul e vários países da América Latina, não se estarem a desenvolver suficientemente depressa para satisfazerem as aspirações do povo; estão assim criadas as condições, para o descontentamento político, mas as autoridades financeiras internacionais não parecem qualificadas para abordar o problema.
Penso que a calma actual não vai durar muito. Como já disse, acredito que a economia global tem sido sustentada por uma explosão imobiliária que adquiriu as características de uma bolha. Em alguns países, sobre tudo no Reino unido e na Austrália, a bolha decresceu, mas daí não resultaram perturbações sérias. O consumo caiu, mas uma diminuição modesta das taxas de juro foi suficiente para estabilizar os preços das casas e o consumo. A isto chama-se uma aterragem suave, que encorajou as autoridades a pensarem que o mesmo acontecerá nos Estados Unidos. Tenho uma opinião diferente. Há razões para acreditar que o abrandamento dos preços das casas nos Estados Unidos terá repercussões mais severas do que nos outros países. Uma das razões é a dimensão absoluta da economia dos Estados Unidos. Um abrandamento nos Estados Unidos terá repercussões na economia global, mas a Austrália e o Reino Unido são demasiado pequenos para que um abrandamento produza grandes efeitos. Outro factor é o facto de, nos Estados Unidos, o aumento dos preços ter sido acompanhado pelo aumento do volume da construção, enquanto que, no Reino Unido, a construção se manteve estável. Isto criou um excesso de oferta nos Estados Unidos, que levará tempo a estabilizar. Por último, nos Estados unidos, as condições de crédito foram mais facilitadas do que em qualquer outro lado e estão agora a ser revistas. Todos estes factores combinados irão assegurar que os preços das casas, quando abrandarem, não voltem a subir muito em breve. Como já referi, prevejo que a aterragem suave inicial se transforme numa aterragem dura quando o abrandamento não parar. Um abrandamento nos Estados Unidos repercutir-se-á no resto do mundo através de um dólar mais fraco. E por isso que prevejo um abrandamento mundial a partir de 2007.
É claro que posso estar enganado. Já me enganei antes. Pode não ser prudente exprimir esta tese, uma vez que, depois de publicada, é difícil não voltar atrás ou modificá-la. Exprimo-a como exemplo do género de perturbação que, mais cedo ou mais tarde, irá ocorrer. O que pretendo dizer é que a economia global está sujeita a perturbações periódicas e que será necessária a cooperação internacional para manter essas perturbações dentro dos limites.
Mesmo na ausência de uma crise, existe algo de perverso na constelação actual. As poupanças do mundo são canalizadas para o centro para financiarem o consumo excessivo do maior e mais rico país, os Estados Unidos. Isto não pode continuar por tempo indefinido e, quando acabar a economia global irá sofrer uma insuficiência de procura. Os países asiáticos que estão a financiar o excessivo consumo americano fariam bem em estimular o consumo doméstico, mas, mesmo que o consigam fazer, poderá haver uma carência temporária. As autoridades financeiras internacionais deviam fazer planos de contingência, mas não vejo sinais disso2a. No passado, propus que o Fundo Monetário Internacional emitisse Direitos Especiais de Saque (DES), em que os países ricos reservam as suas dotações para a ajuda internacional. Há dificuldades técnicas _ os DES exigiriam dotações orçamentais _, mas, se a minha previsão de um abrandamento global em 2007 se realizar, trata-se de um esquema que deve ser agora implementado.

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