quinta-feira, 4 de março de 2010

NADA DE NOVO

Um excelente poema de uma boa amiga, datado de 1999. Já publicado no seu blog, O JARDIM DA ASPÁSIA.


CARTA @ AMIG@

Olá, Amig@, resolvi escrever-te
só para dizer... que não há nada de novo.

Olha, saí, meti-me no carro
e chegando ao semáforo seguinte
vi o mesmo pedinte
com que há anos deparo.
Dei-lhe uma moeda de vinte.

Na fila de trânsito,
vi as mesmas caras agressivas
por dentro dos vidros embaciados.
Sorrisos não vi, nem expressões vivas:
só olhares cansados.

Também quis entrar no café,
mas era tal a fumaça lá dentro
que achei melhor adiar o momento
e fugi dali a sete pés.

Deu-me para comprar o jornal,
mas também não sei para quê:
já ontem, na TV, disseram tudo igual.

Parece que o principal
é que caiu um avião no Mar do Norte.
Mas olha, tiveram sorte:
dos noventa só morreram vinte e tal,
incluindo um doente de Sida, por sinal,
a quem já tinham lido a sentença de morte.

Os pais do rapaz até deram graças
por ele ir de repente
e não o verem mais pela casa
a morrer lentamente.
Das famílias dos outros vinte e tal
é que não sei o que disseram,
não vinha no jornal,
talvez não tenha sido tão sensacional.

Como vês, vai tudo normal.

Passei ali pelos arredores
e lá estavam os arrumadores
à porta do Centro Comercial
a arrumarem os senhores doutores.
Também estavam uns ciganos vendedores
discutindo com eles um espaço vital
para estenderem no chão uns cobertores
onde exporem o material.
Mas apareceu um carro da polícia
e debandaram todos por igual.

Enfim, virão tempos melhores.

De saúde, olha, vou assim-assim,
uns dias pior, outros menos mal.
Que se há-de fazer? É fatal.

E assim cheguei ao fim.
Como vês, não há nada de especial.
Fica bem, ou, pelo menos, tu também, menos mal.

Beijinhos da

L.

(Leonor 1999)

1 comentário:

ASPÁSIA disse...

CARO ZÉ, OBRIGADA PELA PUBLICAÇÃO!

BOM DOMINGO E
UM ABRAÇO!