sexta-feira, 24 de março de 2006

Reflexão

«Mas há outra razão: a ciência é mais do que um corpo de conhe­cimento; é uma maneira de pensar. Prevejo o que será a América no tempo dos meus filhos ou dos meus netos – quando os Estados Uni­dos forem uma economia de serviços e de informação; quando prati­camente todas as grandes indústrias se tiverem deslocado para outros países; quando tremendas forças tecnológicas estiverem nas mãos de uns quantos e ninguém que represente o interesse público as conseguir sequer entender; quando as pessoas tiverem perdido a capacidade de planificar o que lhes diz respeito ou de interrogar quem detiver o poder; quando, com os nossos cristais fechados na mão e consultando nervosamente os nossos horóscopos, com as nossas faculdades criticas reduzidas, incapazes de distinguir entre o que nos agrada e o que é verdadeiro, regressarmos, quase sem dar por isso, à superstição e à ignorância.
A estupidificação da América manifesta-se no lento declínio do conteúdo dos meios de comunicação, extraordinariamente influentes, nos excertos de material gravado de 30 segundos (agora reduzidos a 10 segundos ou menos), inseridos nas peças noticiosas da rádio e da televisão, na programação que se rege pelo menor denominador co­mum, nas apresentações crédulas sobre pseudociência e superstição, mas sobretudo numa espécie de celebração da ignorância. No momento em que estou a escrever, a videocassete mais alugada na América é Dois Malucos à Solta. Beavis and Butthead continua a ser popular (e influente) entre os telespectadores jovens. A lição que se pode tirar daqui é que o estudo e a aprendizagem – não só da ciência, mas de tudo – são de evitar e até indesejáveis.
Criámos uma civilização global na qual os elementos fundamentais – os transportes, as comunicações e todas as outras indústrias, a agricultura, a medicina, a educação, as diversões, a protecção do meio ambiente e até a instituição democrática fundamental das eleições­ – dependem profundamente da ciência e da tecnologia. Também dispu­semos as coisas de tal modo que quase ninguém compreende a ciência e a tecnologia. Isto é uma receita para a catástrofe. Podemos continuar durante algum tempo, mas, mais cedo ou mais tarde, esta mistura explosiva de ignorância e de poder vai rebentar-nos na cara.»

In “Um Mundo Infestado de Demónios” de Carl Sagan.

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