terça-feira, 7 de maio de 2019

A FRAGILIDADE PORTUGUESA



Esta fragilidade pode-se avaliar de vários ângulos. Mas hoje vou só referir aqui um episódio que demonstra bem isso. O jornal espanhol ABC levantou uma questão sobre a viagem de Fernão de Magalhães. Podem ver aqui o entendimento espanhol. A Espanha tem mais poder, convicção, determinação e empenho que Portugal, mas sobretudo, tem na governança gente mais capaz, ou mesmo só capaz, o que em Portugal está muito longe de acontecer. Os últimos 30 anos têm demonstrado que as pessoas não estão à altura para os cargos que ocupam. Os escândalos sucessivos, e com uma justiça inoperante, são a evidência. Portugal é frágil, e os portugueses insistem em votar nos de sempre, que fragilizam, cada vez mais, Portugal.
Quanto à viagem de Magalhães, embora em Portugal se invoque que foi a ciência portuguesa na viagem, podem, e muito bem, os espanhóis dizer que o feito é espanhol. Foi a Espanha, com os seus navios e suas gentes, que realizou a viagem. Fernão de Magalhães nasceu em Portugal mas, também ele, terá sido vitima de algo muito comum neste país: o mérito não é reconhecido e as pessoas capazes são escorraçadas, para assim se dar lugar e prebendas às nulidades.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

O MAL TEM SEMPRE ENTUSIASTAS APOIANTES


  
O mal tem sempre adeptos que o apoiam e sustentam. Em qualquer das facetas em que se apresente. É visível a crispação em que o mundo vive. Há sempre gente a apoiar uns contra outros, e vice-versa. Há um certo maniqueísmo na sociedade, onde os cidadãos têm uma tendência para se sentirem certos, e correctos, no que amam e no que decidem, consequentemente no que apoiam, julgando todos os que têm outro entendimento como absolutamente errados, sendo assim opositores, quiçá inimigos. O futebol é sempre um bom exemplo, embora sempre grotesco. A política entendida pelos cidadãos, e não pelos que exercem na política a sua actividade, também é um bom exemplo do maniqueísmo. Agora os cidadãos nas suas escolhas, quando votam, seja para clubes de futebol ou de campismo, como também em votações para eleger pessoas para governarem os países, tanto podem escolher o bem como o mal. Eu gostaria de relembrar que nos últimos 150 anos, as escolhas livres e democráticas de cidadãos nem sempre tiveram bons resultados. Lembro Hitler, Mussolini e outros que chegaram ao exercício do poder democraticamente através de eleições livres. Eu diria que todo o bandido tem os seus adoradores e os seus detractores. Às vezes até temos exemplos de facínoras, presos perpetuamente, que têm seguidores, ou fãs. Alguns até têm quem, já depois de sentenciados, sem nunca os terem conhecido, se apaixonem por eles, e com eles se casem. Há para tudo na prateleira.
         Assim, ditadores podem sempre surgir através do voto. E vão surgir. Aqui e ali, sem demorar muito. Vão ter os seus seguidores e adeptos fervorosos. Normalmente têm algo em comum, seja em que continente estiverem. São sempre cleptocratas. E, de entre as suas vítimas, haverá sempre cinquenta por cento que os apoiarão indefectivelmente, quarenta por cento que acobardados se calarão, e dez por cento que se oporão. E o planeta gira, o universo move-se, mas o mal persistirá, sempre e sempre devidamente apoiado pelas suas vítimas, que são os maiores fornecedores de capacidade para o mal.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

ENCANTAMENTO

Há mais de dez anos escrevi este artigo, que me solicitaram, para uma revista recém criada, de que já nem o nome lembro. Era para ser publicada no nº 4, mas não resistiu após o nº 3. se não estou em erro. Desencantei-o há dias. Revi o texto, e aqui o publico.


Encantamento

É a primeira emoção que inunda a sensibilidade de quem vê, pela primeira vez, a ilha. Vindo de fora, a ilha induz, na percepção do forasteiro, o encanto. Rompida a bruma pelo avião, só os olhos comunicam com a ilha, só eles interagem com os contornos e as cores que a ilha, qual mestre do oculto, permite à observação. Imagina-se, então, os que se aproximam de barco, para quem a ilha surge como um sonho flutuando que esgaça as neblinas. Porque, para um ilhéu, a ilha sempre flutua suspensa no tempo.
Actualmente a ilha começa sempre por ser uma, ou várias, fotografias coloridas com bons ângulos, de boas perspectivas, em bonitos dias. O papel da impressão da revista também ilude. A projecção do sonho está feita. Parte-se do sonho para o encantamento. E o primeiro contacto, aquele que impressiona, é encantamento. Pôr os pés na ilha, a sempre encantada, é a concretização do sonho.
A ilha é sempre um local idílico. Recolhido o fruto da primeira impressão, é com ele que o forasteiro caminha na ilha. Mas caminha entre realidades vividas cuja absorção escapa à gravação na película da primeira impressão. Há uma barreira transparente que inibe a percepção real por aquele que foi tocado pelo encantamento. E essa barreira é muito mais contundente nos dias solarengos do que nos dias brumosos das ilhas. O forasteiro, todo aquele que chega vindo de além-mar, passeia-se entre as pessoas e paisagens, construções e animais. Passeia-se usufruindo do clamor dos seus sentidos, atendendo, assim, muito pouco aos pontos que, ligados entre si, lhe dariam a composição da realidade, que substituirá a alheia. O forasteiro cruza-se com outras pessoas, alguns forasteiros e outros, mais, ilhéus. Mas com estes cruza-se como se fluíssem em planos diferentes. O ilhéu mostrar-se-á sempre com um sorriso anódino, ou um semblante natural e candidamente cerrado. Não deixará transparecer, de forma a que seja perceptível por forasteiros, emoções ou esgares. São foro interno. Se a teoria dos mundos paralelos tivesse demonstração, ter-se-ia de começar esse exercício pela ilha. O forasteiro vê os limites físicos da ilha, nos alcantilados ou nas praias, em horizontes de flutuação. Nunca se apercebe do que limita o ilhéu. Vagueia pela ilha, o forasteiro, prendendo em película, hodiernamente mais em pixéis, pedaços da sua concepção de ilha. Só pedaços. O alcance da sua perspectiva, empolada pelo encantamento inicial, é sempre impotente para abarcar tudo o que os seus sentidos, globalmente, apreendem. Cores, contrastes, colapsos, recônditos e muitos pormenores que há muito perderam o interesse dos ilhéus. Captam ali, além, mas sempre o que lhes motiva o idílico. As pessoas, abstraindo os próprios, não constam das fotografias porque não se coadunam com o entendimento do idílico pelo forasteiro. As paisagens e os animais, sim. O forasteiro consumirá o seu tempo de estadia sem se aperceber da realidade da vivência do ilhéu. Este tudo fará para que o forasteiro, se resuma à paisagem, se embriague de beleza e de ténue, sem que possa estabelecer contacto com toda a dramatologia insular. De forma estranha, também o, reduzido, contacto que estabelecem, forçosamente, entre eles, flutua, tal qual a ilha, esgaçando as neblinas. Uma aberta nunca corresponde a um solarengo duradoiro. E tudo o que, ao forasteiro, é permitido observar se passa sempre entre neblinas, dependendo da sorte a oportunidade de uma boa observação.
O forasteiro retornará, encantado, num avião que romperá as brumas para atingir a limpidez das alturas. Regressa encantado para mergulhar no desencanto das rotinas da sua vida, tentando não esquecer que, durante o tempo de uma semana, ou duas, viveu um encanto.
Os forasteiros que vão restando por mais tempo têm a oportunidade de, muito lentamente, saírem do encantatório e viverem a rotina das suas vidas. Diluem-se no seio das brumas com os demais ilhéus com que se fundem.