Encantamento
É a primeira
emoção que inunda a sensibilidade de quem vê, pela primeira vez, a ilha. Vindo
de fora, a ilha induz, na percepção do forasteiro, o encanto. Rompida a bruma
pelo avião, só os olhos comunicam com a ilha, só eles interagem com os
contornos e as cores que a ilha, qual mestre do oculto, permite à observação.
Imagina-se, então, os que se aproximam de barco, para quem a ilha surge como um
sonho flutuando que esgaça as neblinas. Porque, para um ilhéu, a ilha sempre
flutua suspensa no tempo.
Actualmente a
ilha começa sempre por ser uma, ou várias, fotografias coloridas com bons
ângulos, de boas perspectivas, em bonitos dias. O papel da impressão da revista
também ilude. A projecção do sonho está feita. Parte-se do sonho para o
encantamento. E o primeiro contacto, aquele que impressiona, é encantamento.
Pôr os pés na ilha, a sempre encantada, é a concretização do sonho.
A ilha é
sempre um local idílico. Recolhido o fruto da primeira impressão, é com ele que
o forasteiro caminha na ilha. Mas caminha entre realidades vividas cuja
absorção escapa à gravação na película da primeira impressão. Há uma barreira
transparente que inibe a percepção real por aquele que foi tocado pelo
encantamento. E essa barreira é muito mais contundente nos dias solarengos do
que nos dias brumosos das ilhas. O forasteiro, todo aquele que chega vindo de além-mar,
passeia-se entre as pessoas e paisagens, construções e animais. Passeia-se
usufruindo do clamor dos seus sentidos, atendendo, assim, muito pouco aos
pontos que, ligados entre si, lhe dariam a composição da realidade, que
substituirá a alheia. O forasteiro cruza-se com outras pessoas, alguns
forasteiros e outros, mais, ilhéus. Mas com estes cruza-se como se fluíssem em
planos diferentes. O ilhéu mostrar-se-á sempre com um sorriso anódino, ou um
semblante natural e candidamente cerrado. Não deixará transparecer, de forma a
que seja perceptível por forasteiros, emoções ou esgares. São foro interno. Se
a teoria dos mundos paralelos tivesse demonstração, ter-se-ia de começar esse
exercício pela ilha. O forasteiro vê os limites físicos da ilha, nos alcantilados
ou nas praias, em horizontes de flutuação. Nunca se apercebe do que limita o
ilhéu. Vagueia pela ilha, o forasteiro, prendendo em película, hodiernamente
mais em pixéis, pedaços da sua concepção de ilha. Só pedaços. O alcance da sua perspectiva,
empolada pelo encantamento inicial, é sempre impotente para abarcar tudo o que
os seus sentidos, globalmente, apreendem. Cores, contrastes, colapsos,
recônditos e muitos pormenores que há muito perderam o interesse dos ilhéus.
Captam ali, além, mas sempre o que lhes motiva o idílico. As pessoas,
abstraindo os próprios, não constam das fotografias porque não se coadunam com
o entendimento do idílico pelo forasteiro. As paisagens e os animais, sim. O
forasteiro consumirá o seu tempo de estadia sem se aperceber da realidade da
vivência do ilhéu. Este tudo fará para que o forasteiro, se resuma à paisagem,
se embriague de beleza e de ténue, sem que possa estabelecer contacto com toda
a dramatologia insular. De forma estranha, também o, reduzido, contacto que
estabelecem, forçosamente, entre eles, flutua, tal qual a ilha, esgaçando as neblinas.
Uma aberta nunca corresponde a um solarengo duradoiro. E tudo o que, ao
forasteiro, é permitido observar se passa sempre entre neblinas, dependendo da
sorte a oportunidade de uma boa observação.
O forasteiro
retornará, encantado, num avião que romperá as brumas para atingir a limpidez
das alturas. Regressa encantado para mergulhar no desencanto das rotinas da sua
vida, tentando não esquecer que, durante o tempo de uma semana, ou duas, viveu
um encanto.
Os forasteiros
que vão restando por mais tempo têm a oportunidade de, muito lentamente, saírem
do encantatório e viverem a rotina das suas vidas. Diluem-se no seio das brumas
com os demais ilhéus com que se fundem.
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