domingo, 7 de junho de 2009

O QUE SOMOS NA EUROPA?

Esta é uma questão nebulosa. Já que hoje estamos el eleições com a Europa queria aqui deixar duas reflexões.Espero que estes dois textos vos permitam amadurecer as vossas reflexões. Sou um pessimista nato. E vejo o país tomado por gente medíocre, que mais não faz do que se perpetuar no poder. E usufruir. Legislam em função dos seus interesses privados. Legislam de forma a bloquear o acesso à governança a outros que não eles, e de forma democrática, ou melhor, usando o sistema democrático para isso. E não estou a ver solução imediata para os fazer saltar da toca. Estão acantonados. E o país adiado. Só não sei se aguenta muito ser adiado. Estou descrente. Mas eis aqui as duas reflexões:

Uma, o artigo de José Eduardo Franco «O MITO DA EUROPA EM PORTUGAL», Publicado na revista NOVA ÁGUIA, nº1, 1º semestre, 2008.

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A Europa tornou-se, desde o Marquês de Pombal, um tema omnipresente e recorrente política e ideológica. A Europa tornou-se para nós menos um continente com um território geograficamente delimitado e mais uma ideia e acima de tudo um mito.
A obsessão pela Europa, por uma Europa culta, por uma Europa do progresso que precisamos de imitar, seguir e copiar se, por um lado nos tem mobilizado, por outro tem-nos gravemente paralizado e abatido a auto-estima colectiva. A Europa tornou-se para nós modelo e limite.
O século XIX desmascarou, pela voz dos intelectuais dominantes, a nossa decadência extrema e lamentou o nosso grave afastamento da Europa, lançando-nos para a última carruagem do comboio do progresso europeu.
O Portugal do século XX andou boa parte do tempo preocupado com a Europa, ora para a tentar imitar, ora para a evitar com o Estado Novo e com a sua censura aos ventos do pensamento avançados que sopravam da lado de lá dos Pirinéus.
A nossa Democracia recuperou a velha obsessão pela Europa, a velha obsessão pombalina, acreditando que resolverá todos os nossos problemas se nos entregar ao sedutor projecto de um continente unido.
Mas a distância entre nós e a Europa parece não querer esbater-se tão rapidamente como se esperava. Quase todos os dias vemos indicadores, estatísticas nos jornais que acusam a nossa triste lonjura da Europa na Educação, nos salários, na saúde, etc. Europa, a Europa, a Europa, quando seremos como tu! E o sentimento de crise toma conta de nós. Ou melhor, nunca mais nos largou! Somos o país-sempre-em-crise, o país-caudada-Europa. Porquê? Porque não somos iguais aos nossos pares europeus, não somos iguais à Europa?! Dessa ideia de Europa que nem sempre somos capazes de concretizar nem definir, uma ideia mais abstracta do que concreta, mas que condiciona e fere de depressão a nossa autoestima nacional.
Urge exorcizar o mito da Europa-sempre-melhor-do-que-nós que nos possui e nos atormenta desde o tempo do iluminismo, quando através da propaganda de Pombal ganhámos o complexo terrível de país-cauda-da-Europa. Se é evidente que a ideia de Europa, carregada de imaginário (como carregada de imaginário é a ideia de que no tempo dos Descobrimentos fomos a vanguarda da Europa), tem a virtualidade de nos inquietar e de procurarmos mais e melhor, tem também inoculado a perigosa doença real de lançar-nos numa insatisfação permanente, de nos minar a auto-estima, de nos criar uma consciência de crise que nos tolhe a capacidade de empreendedorismo que também precisamos de estimular.
Precisamos de exorcizar esse mito platónico de uma Europa ideal impossível de alcançar e voltarmos a acreditar em nós próprios, de valorizar aquilo que temos e fazemos de bom, e em alguns casos até melhor do que essa Europa que idealizamos, para ousarmos ir mais longe e vencer a batalha do futuro, à nossa maneira e com as nossas possibilidades, sem desejos doentios de imitações. De facto as imitações nem sempre são o melhor remédio. Melhor que imitar a Europa importa recriar as nossas potencialidades empreendedoras como país europeu virado para o Atlântico, recuperando a nossa herança histórica de povo ecuménico capaz de criar universalidade e de potenciar riqueza nas relações entre povos e culturas diferentes.
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A outra feflexão é do incontornável livro «JUÍZO FINAL» de Franco Nogueira. Por mais voltas que dê, este livro está-me sempre na mira quando derramo o olhar sobre o futuro actual de Portugal.
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Ainda em António José Saraiva: «É confrangedor assistir entre os intelectuais portugueses à falta de confiança nas próprias raízes, ao complexo que os faz humilharem-se perante qualquer mirabolância insignificante vinda lá de fora» (A. J. S., Vida Mundial, 7-V-71). Em seguida, os Portugueses são excessivamente impressionáveis e crédulos, e sempre prontos a aceitar, a acreditar, a tomar como ponto de fé e como verdades o que os outros lançam no mundo, tendo em conta os seus interesses e não os de Portugal, e os ideais que os outros inventam e propagam tendo em mente os seus interesses e não os de Portugal. É assim, para citar apenas alguns exemplos mais recentes historicamente, que muitos portugueses acreditaram sucessivamente que o futuro de Portugal estava com Napoleão, e depois com a Santa Aliança, e depois com a Sociedade das Naçõess, e depois com as Nações Unidas, e depois com a paz e a solidariedade universais, e assim até ao infinito. Aderem por isso aos modelos estrangeiros, e seguem-nos, julgando que são modernos e avançados, jogando os interesses nacionais num só «cesto», como se este fosse eterno. Por outro lado, não atentam suficientemente na sua história, e não parecem capazes de identificar os interesses nacionais permanentes e vitais, e por isso não descobrem no que os outros propõem aquilo que pode prejudicar tais interesses. Nem tão-pouco vêem por detrás do que os outros dizem ou fazem, aquilo que os outros escondem; e dir-se-ia que tomam tudo como novo e definitivo, porque os tempos lhes aparecem novos e outros. Finalmente, os Portugueses querem sempre beneficiar de tudo, e estão prontos a apoiar uma política, para retirar os seus benefícios, e a política contrária a essa, para retirar outros benefícios, mas sem querer fazer sacrifício por qualquer das duas.
Erros históricos são aqueles de que um povo apenas toma consciência ao cabo de duas ou três gerações. Todas as elites portuguesas, em todas as épocas, os têm cometido. E mais tarde, outras elites, ainda que do mesmo tipo, procuram corrigi-los.
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Mas eu pergunto, depois de Franco Nogueira, quanto mais tarde essas outras élites?

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