E porque hoje, nas complicações extenuantes da velhice, com o cérebro avassalado por tradições de muitos séculos, com o sangue envenenado por drogas de várias origens, com as lembranças do providencialismo absolutista, com as basófias da grandeza antiga, com o bafio das sacristias a perverter-nos o olfacto e o vício do milagre a entorpecer-nos a acção, desmoralizados pelos desenganos, vergando sob o peso esmagador de um passado que nos deixou nos carunchosos guarda-roupas históricos velhos mantos gloriosos roídos já pela traça: porque hoje falta-nos aquele viço da pujança antiga desabrochando nos actos dessa energia simples com que as nações afirmam a vontade irredutível de existirem.
O nosso querer é apenas platónico, incapaz de nenhuma espécie de sacrifício. Não somos tão simples que o não sintamos: o português é inteligente. O que nos falta é a mola íntima, rija de aço, que se partiu. Por isso buscamos iludir-nos como os doentes desenganados. Deitamo-nos aos anestésicos. Com o éter da finança esquecemos a anemia económica e com o clorofórmio da jogatina suprimos a fraqueza do trabalho; a morfina dos melhoramentos vai-nos ando horas regaladas, e o láudano do orçamento o pão nosso de cada dia. O cloral da emigração afasta a necessidade cruel dos tratamentos antiflogísticos; e a cocaína do trânsito, pretendendo em vão tornar esta faixa litoral da Península uma terra de passagem, estalagem brunida e sécia para uso do mundo que se diverte, procurar pôr o sol em acções - e quem sabe se a própria lua das nossas noites encantadoras, ela que desenrola o seu meigo velário de prata para também nos iludir com perspectivas fantásticas sobre a nudez da terra que habitámos!
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Oliveira Martins, in "PORTUGAL NOS MARES"
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