segunda-feira, 29 de junho de 2009

TEMPOS NEBULOSOS

Depois de problemas com o PC voltei ao activo. Para aclarar as coisas, que andam muito nebuladas, veja-se o programa «DIGA LÀ EXCELÊNCIA» aqui, com o Prof. Adriano Moreira.
Mas em tempo de guerra - e a guerra virá um dia - não é defensável [a Europa] porque os corações nacionais se aninharam no pacifismo. Disse José Cutileiro no excelente artigo «A EUROPA DAS PÀTRIAS» aqui, no Expresso de 16.06.2009. Que é um compêndio de ciência política.
Ler «O JUÍZO FINAL» de Franco Nogueira e ler todo o Comandante Virgílio de Carvalho também será muito esclarecedor.
E por último o discurso do António Barreto no 10 de Junho.

Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades
Santarém, 10 de Junho de 2009
António Barreto

Senhor Presidente da República,
Senhor Presidente da Assembleia da República, Senhor Primeiro-ministro,
Senhores Embaixadores,
Senhor Presidente da Câmara de Santarém,
Senhoras e Senhores,
Dia de Portugal... É dia de congratulação. Pode ser dia de lustro e lugares comuns. Mas também pode ser dia de simplicidade plebeia e de lucidez.
Várias vezes este dia mudou de nome. Já foi de Camões, por onde começou. Já foi de Portugal, da Raça ou das Comunidades. Agora, é de Portugal, de Camões e das Comunidades. Com ou sem tolerância, com ou sem intenção política específica, é sempre o mesmo que se festeja: os Portugueses. Onde quer que vivam.
Há mais de cem anos que se celebra Camões e Portugal. Com tonalidades diferentes, com ideias diversas de acordo com o espírito do tempo. O que se comemora é sempre o país e o seu povo. Por isso o Dia de Portugal é também sempre objecto de críticas. Iguais, no essencial, às expressas por Eça de Queirós, aquando do primeiro dia de Camões. Ele afirmava que os portugueses, mais do que colchas às varandas, precisavam de cultura.
Estranho dia este! Já foi uma "manobra republicana", como lhe chamou Jorge de Sena. Já foi "exaltação da raça", como o designaram no passado. Já foi de Camões, utilizado para louvar imperialismos que não eram os dele. Já foi das Comunidades, para seduzir os nossos emigrantes, cujas remessas nos faziam falta. E apenas de Portugal.
Os Estados gostam de comemorar e de se comemorar. Nem sempre sabem associar os povos a tal gesto. Por vezes, quando o fazem, é de modo desajeitado. "As festas decretadas, impostas por lei, nunca se tornam populares", disse também Eça de Queirós. Tinha razão. Mas devo dizer que temos a felicidade única de aliar a festa nacional a Camões. Um poeta, em vez de uma data bélica. Um poeta que nos deu a voz. Que é a nossa voz. Ou, como disse Eduardo Lourenço, um povo que se julga Camões. Que é Camões. Verdade é que os povos também prezam a comemoração, se nela não virem armadilha ou manipulação.
Comemora-se para criar ou reforçar a unidade. Para afirmar a continuidade. Para reinterpretar o passado. Para utilizar a História a favor do presente. Para invocar um herói que nos dê coesão. Para renovar a legitimidade histórica. São, podem ser, objectivos decentes. Se soubermos resistir à tentação de nos apropriarmos do passado e dos heróis, a fim de desculpar as deficiências contemporâneas.
Não é possível passar este dia sem olharmos para nós. Mas podemos fazê-lo com consciência. E simplicidade.
Garantimos com altivez que Camões é o grande escritor da língua portuguesa e um dos maiores poetas do mundo, mas talvez fosse preferível estudá-lo, dá-lo a conhecer e garantir a sua perenidade.
Afirmamos, com brio, que os portugueses navegadores descobriram os caminhos do mundo nos séculos XV e XVI e que os portugueses emigrantes os percorreram desde então. Mais vale afirmá-lo com o sentido do dever de contribuir para a solidez desta comunidade.
Dizemos, com orgulho, que o Português é uma das seis grandes línguas do mundo. Mas deveríamos talvez dizê-lo com a responsabilidade que tal facto nos confere.
Quando se escolhe um português que nos representa, que nos resume, escolhe-se um herói. Ele é Camões. Podemos festejá-lo com narcisismo. Mas também com a decência de quem nele procura o melhor.
Os nossos maiores heróis, com Camões à cabeça, ilustraram-se pela liberdade e pelo espírito insubmisso. Pela aventura e pelo esforço empreendedor. Pela sua humanidade e, algumas vezes, pela tolerância. Infelizmente, foram tantas vezes utilizados com o exacto sentido oposto: obedientes ou símbolos de uma superioridade obscena.
Ainda hoje soubemos prestar homenagem a Salgueiro Maia. Nele, festejámos a liberdade, mas também aquele homem. Que esta homenagem não se substitua, ritualmente, ao nosso dever de cuidar da democracia.
As comemorações nacionais têm a frequente tentação de sublinhar ou inventar o excepcional. O carácter único de um povo. A sua glória. Mas todos sentimos, hoje, os limites dessa receita nacionalista. Na verdade, comemorar Portugal e festejar os Portugueses pode ser acto de lucidez e consciência. No nosso passado, personificado em Camões, o que mais impressiona é a desproporção entre o povo e os feitos, entre a dimensão e a obra. Assim como esta extraordinária capacidade de resistir, base da "persistência da nacionalidade", como disse Orlando Ribeiro. Mas que isso não apague ou esbata o resto. Festejar Camões não é partilhar o sentido épico que ele soube dar à sua obra maior, mas é perceber o homem, a sua liberdade e a sua criatividade. Como também é perceber o que fizemos de bem e o que fizemos de mal. Descobrimos mundos, mas fizemos a guerra, por vezes injusta. Civilizámos, mas também colonizámos sem humanidade. Soubemos encontrar a liberdade, mas perdemos anos com guerras e ditaduras.
Fizemos a democracia, mas não somos capazes de organizar a justiça. Alargámos a educação, mas ainda não soubemos dar uma boa instrução. Fizemos bem e mal. Soubemos abandonar a mitologia absurda do país excepcional, único, a fim de nos transformarmos num país como os outros. Mas que é o nosso. Por isso, temos de nos ocupar dele. Para que não sejam outros a fazê-lo.
Há mais de trinta anos, neste dia, Jorge de Sena deixou palavras que ecoam. Trouxe-nos um Camões humano, sabedor, contraditório, irreverente, subversivo mesmo.
Desde então, muito mudou. O regime democrático consolidou-se. Recheado de defeitos, é certo.
Ainda a viver com muita crispação, com certeza. Mas com regras de vida em liberdade.
Evoluiu a situação das mulheres, a sua presença na sociedade. Invisíveis durante tanto tempo,
submissas ainda há pouco, as mulheres já fizeram um país diferente.
Mudou até a constituição do povo. A sociedade plural em que vivemos hoje, com vários deuses e credos, com dois sexos iguais, com diversas línguas e muitos costumes, com os partidos e as associações que se queira, seria irreconhecível aos nossos próximos antepassados.
A sociedade e o país abriram-se ao mundo. No emprego, no comércio, no estudo, nas viagens, nas relações individuais e até no casamento, a sociedade aberta é uma novidade recente.
A pertença à União Europeia, timidamente desejada há três décadas, nem sequer por todos, é um facto consumado.
A estes trinta anos pertence também o Estado de protecção social, com especial relevo para o Serviço Nacional de Saúde, a segurança social universal e a escolarização da população jovem. É certamente uma das realizações maiores.
Estas transformações são motivo de regozijo. Mas este não deve iludir o que ainda precisa de mudança. O que não foi possível fazer progredir. E a mudança que correu mal.
A Sociedade e o Estado são ainda excessivamente centralizados. As desigualdades sociais persistem para além do aceitável. A injustiça é perene. A falta de justiça também. 0 favor ainda vence vezes de mais o mérito. O endividamento de todos, país, Estado, empresas e famílias é excessivo e hipoteca a próxima geração. A nossa pertença à União Europeia não é claramente discutida e não provoca um pensamento sério sobre o nosso futuro como nacionalidade independente.
Há poucos dias, a eleição europeia confirmou situações e diagnósticos conhecidos. A elevadíssima abstenção mostrou uma vez mais a permanente crise de legitimidade e de representatividade das instituições europeias. A cidadania europeia é uma noção vaga e incerta. É um conceito inventado por políticos e juristas, não é uma realidade vivida e percebida pelos povos. É um pretexto de Estado, não um sentimento dos povos. A pertença à Europa é, para os cidadãos, uma metafísica sem tradição cultural, espiritual ou política. Os Estados e os povos europeus deveriam pensar de novo, uma, duas, três vezes, antes de prosseguir caminhos sem saída ou falsos percursos que terminam mal. E nós fazemos parte desse número de Estados e povos que têm a obrigação de pensar melhor o seu futuro, o futuro dos Portugueses que vêm a seguir.
É a pensar nessas gerações que devemos aproveitar uma comemoração e um herói para melhor ligar o passado com o futuro.
Não usemos os nossos heróis para nos desculpar. Usemo-los como exemplos. Porque o exemplo tem efeitos mais duráveis do que qualquer ensino voluntarista.
Pela justiça e pela tolerância, os portugueses precisam mais de exemplo do que de lições morais.
Pela honestidade e contra a corrupção, os portugueses necessitam de exemplo, bem mais do que de sermões.
Pela eficácia, pela pontualidade, pelo atendimento público e pela civilidade dos costumes, os portugueses serão mais sensíveis ao exemplo do que à ameaça ou ao desprezo.
Pela liberdade e pelo respeito devido aos outros, os portugueses aprenderão mais com o exemplo do que com declarações solenes.
Contra a decadência moral e cívica, os portugueses terão mais a ganhar com o exemplo do que com discursos pomposos.
Pela recompensa ao mérito e a punição do favoritismo, os portugueses seguirão o exemplo com mais elevado sentido de justiça.
Mais do que tudo, os portugueses precisam de exemplo. Exemplo dos seus maiores e dos seus melhores. O exemplo dos seus heróis, mas também dos seus dirigentes. Dos afortunados, cujas responsabilidades deveriam ultrapassar os limites da sua fortuna. Dos sabedores, cuja primeira preocupação deveria ser a de divulgar o seu saber. Dos poderosos, que deveriam olhar mais para quem lhes deu o poder. Dos que têm mais responsabilidades, cujo "ethos" deveria ser o de servir.
Dê-se o exemplo e esse gesto será fértil! Não vale a pena, para usar uma frase feita, dar "sinais de esperança" ou "mensagens de confiança". Quem assim age, tem apenas a fórmula e a retórica. Dê-se o exemplo de um poder firme, mas flexível, e a democracia melhorará. Dê-se o exemplo de honestidade e verdade, e a corrupção diminuirá. Dê-se o exemplo de tratamento humano e justo e a crispação reduzir-se-á. Dê-se o exemplo de trabalho, de poupança e de investimento e a economia sentirá os seus efeitos.
Políticos, empresários, sindicalistas e funcionários: tenham consciência de que, em tempos de excesso de informação e de propaganda, as vossas palavras são cada vez mais vazias e inúteis e de que o vosso exemplo é cada vez mais decisivo. Se tiverem consideração por quem trabalha, poderão melhor atravessar as crises. Se forem verdadeiros, serão respeitados, mesmo em tempos difíceis.
Em momentos de crise económica, de abaixamento dos critérios morais no exercício de funções empresariais ou políticas, o bom exemplo pode ser a chave, não para as soluções milagrosas, mas para o esforço de recuperação do país.

terça-feira, 16 de junho de 2009

ESTAVA A DEMOCRACIA EM FUROR PLENO DE BANDITISMO

Da revista «ILLUSTRAÇÃO CATHOLICA», número 260 - Anno V, 22 de Junho de 1918.
Leiam com atenção. Cliquem na imagem para ampliar a foto e poderem ler bem. E digam lá se o titulo do post, retirado do texto, não se aplica bem hoje.

sábado, 13 de junho de 2009

A CRISE É DE COMPETÊNCIAS

Vejam o início de um artigo da autoria do sr. J. de Faria Machado, publicado na «ILLUSTRAÇÃO CATHOLICA» no dia 2 de Março de 1918, no numero 244 - Anno V.




Vivemos positivamente aos encontrões. A crise é de competencias, Ninguem se prepára para a lucta da vida, mas todos se dispõem a vencer . A diffusão do ensino egualou as ambições mas como foi, e é ministrado incompetentemente, desgraçadamente, longe de preparar homens, impulsionou arrivistas, e repercutindo os seus effeitos na grande massa, tem funestas consequencias. O ensino não educou, confundiu. Foi ao campo, à officina e arrancou lhe braços, desviou vocações, torceu destinos. A instrucção ficou á superficie, como uma nodoa, alastrando ambições. A burocracia foi tomada d'assalto e relegado para o canto inutíl, a industria e o trabalho profissional.
O homem do campo já remediado empurrou o filho para longe da sua esphera d' acção, desligou-o da tradição, que foi durante seculos a força propulsora da nossa industria rural. Desligou-o da terra, apartou-o do seu meio e do seu destino e em vez de o educar para o amanho da terra onde poderia prosperar, enriquecer, cultivando intelligentemente, dominando a rotina, atirou-o para o Iyceu, Arrastou sete annos de cabulagem e á custa d'empenhos. de suplicas, de subserviencias, lá foi até Coimbra onde reeditou a mesma calamitosa illustração d' empenhoca e fez-se Bacharel. Um dia encontrou-se com o tradicional canudo cheio de cartas e com o espírito vazio d'ideas, muito cheio de palavra pomposas mas inteiramente despido d'aptidôes. E como não podia advogar, ingressar na magistratura, concorrer a qualquer emprego, o que necessitava, estudo, conhecimentos, illustração, lançou-se abertamente na politica e começou a sua vida aos encontrões. Como não podia selientar-se pelo talento impoz-se pela população. Foi o instrumento cego do cacique, perseguiu, tripudiou, e quando não pode ser intelligente foi cruel, quando era preciso ter criterio mostrou simplesmente ferocidade, Podendo ser um homem foi um capacho.
Mas prosperou, subiu. Aos encontrões a tudo e a todos, minando intrigas, odiento, servil, correu a hierarchia politica e um dia o acaso, os seus serviços, as suas tranquibernias, fizeram-o notar dos chefes - foi Ministro. Sem um plano, sem uma idêa, cortou largo nas reformas nacionaes, legislou á toa, governou ao acaso, não teve escrupulos, não teve receios e ... , venceu.


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Agora digam lá se não andamos, sempre, ano após ano com os mesmos amargos.



quarta-feira, 10 de junho de 2009

UM BOM AVISO

Trata--se de assumir que não é dispensável a solidariedade atlântica, com a definição actual envelhecida, ou com a redefinição que o globalismo desordenado requer, porque a capacidade europeia está fragilizada pela carência de matérias-primas, pela carência de energias não renováveis, pela carência de reserva estratégica alimentar, e está agora atingida pelo desastre financeiro mundial e pelos seus efeitos na economia real.
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Adriano Moreira, no artigo «A segurança Europeia», publicado no DN de ontem.

domingo, 7 de junho de 2009

O QUE SOMOS NA EUROPA?

Esta é uma questão nebulosa. Já que hoje estamos el eleições com a Europa queria aqui deixar duas reflexões.Espero que estes dois textos vos permitam amadurecer as vossas reflexões. Sou um pessimista nato. E vejo o país tomado por gente medíocre, que mais não faz do que se perpetuar no poder. E usufruir. Legislam em função dos seus interesses privados. Legislam de forma a bloquear o acesso à governança a outros que não eles, e de forma democrática, ou melhor, usando o sistema democrático para isso. E não estou a ver solução imediata para os fazer saltar da toca. Estão acantonados. E o país adiado. Só não sei se aguenta muito ser adiado. Estou descrente. Mas eis aqui as duas reflexões:

Uma, o artigo de José Eduardo Franco «O MITO DA EUROPA EM PORTUGAL», Publicado na revista NOVA ÁGUIA, nº1, 1º semestre, 2008.

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A Europa tornou-se, desde o Marquês de Pombal, um tema omnipresente e recorrente política e ideológica. A Europa tornou-se para nós menos um continente com um território geograficamente delimitado e mais uma ideia e acima de tudo um mito.
A obsessão pela Europa, por uma Europa culta, por uma Europa do progresso que precisamos de imitar, seguir e copiar se, por um lado nos tem mobilizado, por outro tem-nos gravemente paralizado e abatido a auto-estima colectiva. A Europa tornou-se para nós modelo e limite.
O século XIX desmascarou, pela voz dos intelectuais dominantes, a nossa decadência extrema e lamentou o nosso grave afastamento da Europa, lançando-nos para a última carruagem do comboio do progresso europeu.
O Portugal do século XX andou boa parte do tempo preocupado com a Europa, ora para a tentar imitar, ora para a evitar com o Estado Novo e com a sua censura aos ventos do pensamento avançados que sopravam da lado de lá dos Pirinéus.
A nossa Democracia recuperou a velha obsessão pela Europa, a velha obsessão pombalina, acreditando que resolverá todos os nossos problemas se nos entregar ao sedutor projecto de um continente unido.
Mas a distância entre nós e a Europa parece não querer esbater-se tão rapidamente como se esperava. Quase todos os dias vemos indicadores, estatísticas nos jornais que acusam a nossa triste lonjura da Europa na Educação, nos salários, na saúde, etc. Europa, a Europa, a Europa, quando seremos como tu! E o sentimento de crise toma conta de nós. Ou melhor, nunca mais nos largou! Somos o país-sempre-em-crise, o país-caudada-Europa. Porquê? Porque não somos iguais aos nossos pares europeus, não somos iguais à Europa?! Dessa ideia de Europa que nem sempre somos capazes de concretizar nem definir, uma ideia mais abstracta do que concreta, mas que condiciona e fere de depressão a nossa autoestima nacional.
Urge exorcizar o mito da Europa-sempre-melhor-do-que-nós que nos possui e nos atormenta desde o tempo do iluminismo, quando através da propaganda de Pombal ganhámos o complexo terrível de país-cauda-da-Europa. Se é evidente que a ideia de Europa, carregada de imaginário (como carregada de imaginário é a ideia de que no tempo dos Descobrimentos fomos a vanguarda da Europa), tem a virtualidade de nos inquietar e de procurarmos mais e melhor, tem também inoculado a perigosa doença real de lançar-nos numa insatisfação permanente, de nos minar a auto-estima, de nos criar uma consciência de crise que nos tolhe a capacidade de empreendedorismo que também precisamos de estimular.
Precisamos de exorcizar esse mito platónico de uma Europa ideal impossível de alcançar e voltarmos a acreditar em nós próprios, de valorizar aquilo que temos e fazemos de bom, e em alguns casos até melhor do que essa Europa que idealizamos, para ousarmos ir mais longe e vencer a batalha do futuro, à nossa maneira e com as nossas possibilidades, sem desejos doentios de imitações. De facto as imitações nem sempre são o melhor remédio. Melhor que imitar a Europa importa recriar as nossas potencialidades empreendedoras como país europeu virado para o Atlântico, recuperando a nossa herança histórica de povo ecuménico capaz de criar universalidade e de potenciar riqueza nas relações entre povos e culturas diferentes.
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A outra feflexão é do incontornável livro «JUÍZO FINAL» de Franco Nogueira. Por mais voltas que dê, este livro está-me sempre na mira quando derramo o olhar sobre o futuro actual de Portugal.
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Ainda em António José Saraiva: «É confrangedor assistir entre os intelectuais portugueses à falta de confiança nas próprias raízes, ao complexo que os faz humilharem-se perante qualquer mirabolância insignificante vinda lá de fora» (A. J. S., Vida Mundial, 7-V-71). Em seguida, os Portugueses são excessivamente impressionáveis e crédulos, e sempre prontos a aceitar, a acreditar, a tomar como ponto de fé e como verdades o que os outros lançam no mundo, tendo em conta os seus interesses e não os de Portugal, e os ideais que os outros inventam e propagam tendo em mente os seus interesses e não os de Portugal. É assim, para citar apenas alguns exemplos mais recentes historicamente, que muitos portugueses acreditaram sucessivamente que o futuro de Portugal estava com Napoleão, e depois com a Santa Aliança, e depois com a Sociedade das Naçõess, e depois com as Nações Unidas, e depois com a paz e a solidariedade universais, e assim até ao infinito. Aderem por isso aos modelos estrangeiros, e seguem-nos, julgando que são modernos e avançados, jogando os interesses nacionais num só «cesto», como se este fosse eterno. Por outro lado, não atentam suficientemente na sua história, e não parecem capazes de identificar os interesses nacionais permanentes e vitais, e por isso não descobrem no que os outros propõem aquilo que pode prejudicar tais interesses. Nem tão-pouco vêem por detrás do que os outros dizem ou fazem, aquilo que os outros escondem; e dir-se-ia que tomam tudo como novo e definitivo, porque os tempos lhes aparecem novos e outros. Finalmente, os Portugueses querem sempre beneficiar de tudo, e estão prontos a apoiar uma política, para retirar os seus benefícios, e a política contrária a essa, para retirar outros benefícios, mas sem querer fazer sacrifício por qualquer das duas.
Erros históricos são aqueles de que um povo apenas toma consciência ao cabo de duas ou três gerações. Todas as elites portuguesas, em todas as épocas, os têm cometido. E mais tarde, outras elites, ainda que do mesmo tipo, procuram corrigi-los.
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Mas eu pergunto, depois de Franco Nogueira, quanto mais tarde essas outras élites?

quarta-feira, 3 de junho de 2009

OS PIRATAS DE UNS SÃO A GUARDA-COSTEIRA DE OUTROS

De autoria do etíope K' NAAN, no artigo "OS PIRATAS DO DESESPERO", no «Courrier Internacional» de Maio deste ano, transcrevo o seguinte:


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Nessa época, os pescadores locais denunciavam já as embarcações que entravam ilegalmente nas águas somalis e roubavam todo o peixe. Ao mesmo momento, foi encetada uma prática mais sinistra e desprezível. A empresa suíça XXXX e a italiana XXXXX fizeram um acordo com Ali Mahdi que as autorizava a depositar contentores de resíduos nas águas somalis. Estas firmas pagavam aos senhores da guerra três dólares [pouco mais de 2 Euros] por tonelada, quando, na Europa, desembaraçar-se de uma tonelada de desperdícios custa à volta de mil dólares [758 Euros].
O «tsunami» de 2004 rebentou vários contentores, cujo conteúdo se espalhou pela costa, e milhares de pessoas da região da Puntlândia começaram a queixar-se de perturbações graves e sem precedentes: hemorragias abdominais, úlceras cutâneas e vários sintomas semelhantes ao cancro.
É tempo de o mundo dar aos somalis garantias de que estas actividades ocidentais ilegais cessarão quando os nossos piratas puserem termo às suas operações. Não queremos que a UE e a NATO protejam os bandidos que se desembaraçam dos desperdícios nucleares para cima de nós. Esta crise é uma questão de justiça. Os piratas de uns são a guarda-costeira de outros.
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Neste mundo nada é simples, nem a verdade é transparente. Isto digo eu.