Helena Matos há muito que me habituou a excelentes artigos. Hoje, no Público, o seu artigo "A GARGALHADA" está acutilante. Destaco os seguintes trechos:
Ninguém se levantou, ninguém pediu a palavra para dizer ao secretário de Estado que os presentes, ou pelo menos alguns deles, não consideram que a integração nas escolas comuns seja benéfica para todas as crianças deficientes. Não aconteceu nada daquilo que seria previsível numa democracia. Simplesmente os presentes desataram a rir. Este riso é o mais claro sintoma do descrédito que se instalou na sociedade portuguesa.
(...)
Agora que o sortilégio se quebrou, os outrora beatíficos assistentes riem. Não por falta de educação. Muito menos por desprezo. Riem com aquele riso que se cruza com o choro e que nos diz que já não há nada a fazer.
(...)
Entretanto os cidadãos estão presos entre as gargalhadas de uns e as milícias dos outros. Mas ao contrário do que José Sócrates declarou na Assembleia da República, o Estado não está frágil. O Estado simplesmente esvaziou-se das suas funções tradicionais, o que levou a que os mais fracos não só ficassem ainda mais fracos, como a que se instaurasse um sentimento de impunidade. Este é o Estado que não só não consegue ter uma justiça credível, como fez da negação do crime uma verdade oficial. Um Estado que reduziu os cidadãos à condição de contribuintes. Um Estado que não consegue ter um discurso adulto e claro sobre o papel das suas forças armadas. O Estado que detesta as pequenas e médias empresas, mas que adora atribuir estatutos PIN à meia dúzia dos seus eleitos. O Estado que Sócrates sentiu frágil é o Estado forte que faz andar as suas forças policiais de café em café a ver se alguém está a fumar, mas que depois é de facto incapaz de impedir um bloqueio de estradas. Até há algumas semanas seria mais provável que o Estado português se assanhasse para apurar a cor das facas, a qualidade do carvão, o tipo de grelhadores e a marca dos detergentes usados no churrasco feito pelos camionistas para celebrar o fim do bloqueio do que com o bloqueio propriamente dito. O Estado não só não está frágil, como tem usado e abusado da sua força contra os cidadãos. O que era e é frágil, muito frágil mesmo, são as ideias que residem na cabeça de quem nos tem governado. Na verdade nem são ideias. São simplesmente castelos erguidos pela propaganda. A realidade murcha-os e o sopro duma gargalhada fá-los ruir.
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