quarta-feira, 13 de agosto de 2008

MANIFESTO SOBRE A PÁTRIA

Foi publicado no nº2, de Agosto de 1957, da revista «57», de que era Director António Quadros. Que tem um blog que lhe é dedicado, sempre com o link aqui ao lado. António Quadros é a pessoa, talvez única, que tenho pena de não ter conhecido pessoalmente e com ele privado. Do Manifesto escolhi e destaquei algumas passagens para aqui vos deixar à reflexão:

Aboliram a palavra do vocabulário e fecharam-na no recôndito mais profundo do subconsciente. Conhecem-na tanto como a receiam. Sabem que está lá, no seu lugar de exílio, sempre estranhamente viva, sempre estranhamente desperta. Dir-se-ia uma palavra mágica que eles têm medo de pronunciar, não vá ela pôr em movimento insuspeitadas forças. Se a encontram ao acaso de uma leitura, logo a repudiam com um frémito de ódio, de vergonha ou apenas de intranquilidade.
Disse-a Camões e eles deixaram-no morrer na miséria Disse-a António Vieira e eles condenaram-no. Disse-a Bruno e eles tentaram assassiná-lo. Disse-a Junqueiro e eles ridicularizaram-no. Disse-a Pascoais e eles sorriram de indulgência. Disse-a Leonardo e eles taparam os ouvidos. Disse-a Fernando Pessoa e eles não quiseram entender.
(…)
Porque a pátria não é intrusão do passado no presente, não é sentimentalismo atávico, não é resistência do hábito, não é cómoda posição de reacionários (sic) , não é «o conceito mais bestial e menos filosófico». A pátria é apenas a realidade e quem vira costas à realidade em nome de ideais abstractos, cai em utopias ingénuas , como a do «cidadão do mundo», como a dos estetas que explicam as suas frustrações por não viverem em Paris e não falarem francês, como a dos políticos que a todo o momento repetem a pergunta de um provinciano a Sócrates: é preferível ter nascido em Tebas ou em Atenas?
(…)
A pátria é a realidade. Todos têm uma pátria e é possível que um dia a pátria do homem seja o universo. Mas esse dia vem tão longe, é uma utopia tão distante que todo aquele que, nos nossos dias, pretenda desligar-se do condicionalismo do espaço e do tempo e agir e pensar como se não houvesse fronteiras, mais não consegue do que sair da sua pátria de origem e instalar-se numa pátria de adopção onde será sempre um intruso, onde será sempre um homem dividido e impedido de se realizar plenamente.
(…)
Porque esta é a ditosa pátria nossa amada e ao seu serviço aqui colocamos o nosso corpo, a nossa alma e o nosso espírito.

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