Do Jornal regional de Mafra, O CARRILHÃO, transcrevo o editorial de 15 .02.2010 da autoria de Isabel Vaz Antunes, de que gostei muito. Talvez o melhor texto, até à data, que li a propósito das comemorações do centenário. Tenho lido muito lixo com muita baboseiro. Sei do que falo.
CEM ANOS DEPOIS
No ano em que se contam cem anos sobre a implantação da república, muita tinta irá correr sobre essa fase da nossa história. O melhor cenário será o de alguma tranquilidade no registo dos factos. O pior cenário será o de discussões aguerridas por quem defende um regime contra o outro, como se estivéssemos a reviver esses acontecimentos.
Provavelmente teremos de concluir que o nosso rei não merecia ser assassinado. Primeiro, porque ninguém merece ser assassinado. E depois, porque não faltam informações sobre o alto nível da sua cultura, a sua delicadeza de artista e, o que é mais importante, a sua preocupação com o reino e as suas qualidades diplomáticas.
Provavelmente, teremos de concluir que as pessoas de que o rei se fez rodear para governar não o fizeram da melhor maneira – dirão um dia os historiadores se por se tratar de más escolhas ou se por as guerrinhas partidárias não permitirem coisa nenhuma.
Provavelmente, teremos de concluir também que o maior problema terá sido o facto de as diversas facções que lutaram pelo poder considerarem, muitas vezes, mais importante o partido do que o País. Só assim se explica que, em cerca de dezasseis anos (entre 1910 e 1926), tenha havido quarenta e cinco governos!
Provavelmente, os de alma republicana dirão que a coroa era uma despesa que o reino não tinha de suportar. E os de alma monárquica responderão que, em comparação com a coroa vizinha, a de Espanha, os gastos de pelo menos uma das presidências que tivemos, em deslocações, comitivas, recepções, foram muito, muito superiores.
Provavelmente, os de alma monárquica acrescentarão que o facto de haver uma monarquia permite que os herdeiros do trono sejam preparados desde o berço para o desempenho das suas funções. Que um rei está fora das guerras partidárias e, portanto, numa situação, naturalmente, mais propícia para que todos se revejam nele, o que não acontece com um presidente proposto por um partido. E os de alma republicana responderão que não, o povo é soberano, o povo tem de escolher e o lugar mais importante da nação não pode ser ocupado por uma pessoa que simplesmente foi bafejada pela sorte de nascer num determinado berço.
Enfim, provavelmente, os monárquicos que lerem este texto dirão que é notória aqui a defesa da república e os republicanos olharão desconfiados, pensando que um dia destes O Carrilhão sai a terreiro a defender um referendo para o povo se pronunciar sobre o regime de governação.
Mas bom, bom será se, independentemente das nossas convicções (que, a este respeito, muitos de nós teremos dificuldade em construir) tivermos a lucidez para aproveitar o que de melhor encontramos em cada regime para traçar o perfil dos governantes que queremos. Que os partidos recusem fabricar a promoção da mediocridade e apostem mais em ser escolas de políticas pela promoção de Portugal e menos, muito menos, dos partidos. Menos promoção pessoal e mais promoção de valores, em que a honestidade seja a rainha. Políticos menos dependentes dos partidos para fazerem carreira, que surjam nas listas pelas capacidades e qualidades demonstradas no desempenho das suas funções profissionais. E que sejam suficientemente desprendidos do poder para baterem com a porta quando a máquina partidária criar uma pressão que afecte a verticalidade das suas convicções.
O mundo, com todos os defeitos, está em processo de aperfeiçoamento. Aos poucos terá de ser. E cada um de nós tem uma fatia de responsabilidade nesse processo.
CEM ANOS DEPOIS
No ano em que se contam cem anos sobre a implantação da república, muita tinta irá correr sobre essa fase da nossa história. O melhor cenário será o de alguma tranquilidade no registo dos factos. O pior cenário será o de discussões aguerridas por quem defende um regime contra o outro, como se estivéssemos a reviver esses acontecimentos.
Provavelmente teremos de concluir que o nosso rei não merecia ser assassinado. Primeiro, porque ninguém merece ser assassinado. E depois, porque não faltam informações sobre o alto nível da sua cultura, a sua delicadeza de artista e, o que é mais importante, a sua preocupação com o reino e as suas qualidades diplomáticas.
Provavelmente, teremos de concluir que as pessoas de que o rei se fez rodear para governar não o fizeram da melhor maneira – dirão um dia os historiadores se por se tratar de más escolhas ou se por as guerrinhas partidárias não permitirem coisa nenhuma.
Provavelmente, teremos de concluir também que o maior problema terá sido o facto de as diversas facções que lutaram pelo poder considerarem, muitas vezes, mais importante o partido do que o País. Só assim se explica que, em cerca de dezasseis anos (entre 1910 e 1926), tenha havido quarenta e cinco governos!
Provavelmente, os de alma republicana dirão que a coroa era uma despesa que o reino não tinha de suportar. E os de alma monárquica responderão que, em comparação com a coroa vizinha, a de Espanha, os gastos de pelo menos uma das presidências que tivemos, em deslocações, comitivas, recepções, foram muito, muito superiores.
Provavelmente, os de alma monárquica acrescentarão que o facto de haver uma monarquia permite que os herdeiros do trono sejam preparados desde o berço para o desempenho das suas funções. Que um rei está fora das guerras partidárias e, portanto, numa situação, naturalmente, mais propícia para que todos se revejam nele, o que não acontece com um presidente proposto por um partido. E os de alma republicana responderão que não, o povo é soberano, o povo tem de escolher e o lugar mais importante da nação não pode ser ocupado por uma pessoa que simplesmente foi bafejada pela sorte de nascer num determinado berço.
Enfim, provavelmente, os monárquicos que lerem este texto dirão que é notória aqui a defesa da república e os republicanos olharão desconfiados, pensando que um dia destes O Carrilhão sai a terreiro a defender um referendo para o povo se pronunciar sobre o regime de governação.
Mas bom, bom será se, independentemente das nossas convicções (que, a este respeito, muitos de nós teremos dificuldade em construir) tivermos a lucidez para aproveitar o que de melhor encontramos em cada regime para traçar o perfil dos governantes que queremos. Que os partidos recusem fabricar a promoção da mediocridade e apostem mais em ser escolas de políticas pela promoção de Portugal e menos, muito menos, dos partidos. Menos promoção pessoal e mais promoção de valores, em que a honestidade seja a rainha. Políticos menos dependentes dos partidos para fazerem carreira, que surjam nas listas pelas capacidades e qualidades demonstradas no desempenho das suas funções profissionais. E que sejam suficientemente desprendidos do poder para baterem com a porta quando a máquina partidária criar uma pressão que afecte a verticalidade das suas convicções.
O mundo, com todos os defeitos, está em processo de aperfeiçoamento. Aos poucos terá de ser. E cada um de nós tem uma fatia de responsabilidade nesse processo.
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