sexta-feira, 15 de maio de 2020

LIBERDADE E QUESTÕES SOCIAIS


LIBERDADE E QUESTÕES SOCIAIS


A liberdade é uma atitude e um estado de espírito que tem vários patamares. O primeiro, e o mais importante, é a assumpção de um indivíduo ser livre perante si próprio. Sendo livre perante os seus próprios temores, os seus próprios vícios, os seus preconceitos e as suas ambições, o indivíduo não se sujeita. A liberdade é a capacidade individual de não sujeição. A diminuição, ou a diluição desta capacidade, coloca o indivíduo na dependência de uma, ou múltiplas, manipulações. A expressão escravo do vício pode ser expandida para escravo dos temores, dos preconceitos e das ambições. Todavia não se pode escamotear que a fragilidade da sobrevivência da vida é um factor que diminui, de forma exponencial, a capacidade de não sujeição. Manter a liberdade por iniciativa própria, e não por obstar à sonegação dela por outrem, é algo sempre difícil. Um carácter solidamente fortificado em valores é a via para um cidadão ser livre com dignidade.
         Este problema da liberdade é uma constante na história da humanidade. E uma luta permanente, na carne e no espírito. Da evolução dessa luta resulta um desenvolvimento do pensamento político-social que vem a ter uma expressão exequível com a Revolução Francesa, já nos finais do século dezoito. Que ficou plasmada na trilogia de liberdade, igualdade e fraternidade. Doravante a questão seria a consubstanciação dessa trilogia. A liberdade foi, e ainda é, uma pugna que, apesar de ter sido alicerçada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, está muito longe de ser uma realidade das sociedades. Assim como os dois outros parâmetros da trilogia. Cada um deles não pode funcionar em pleno independente dos outros. A igualdade foi, basicamente, estigmatizada na igualdade perante a lei. Que embora pareça uma medida de grande alcance, a sua execução prática perante a justiça tem sido um desastre. A documentação do desastre é diária, e em todo o planeta, com a agravante que as sociedades, enquanto corpos colectivos, outorgam a desigualdade. E isto tudo porque a fraternidade, o terceiro parâmetro, nunca passou de uma palavra inscrita numa declaração. A ausência de fraternidade é o colapso desta trilogia que brotou da Revolução Francesa. A falta de valores e falhas de carácter individuais fizeram das sociedades actuais um conjunto de indivíduos sujeitos aos egoísmos, às ambições, aos vícios e aos temores. Logo são vulneráveis a manipulações de quem detiver o poder para os manipular. Hoje deparamo-nos com sociedades sujeitas, não livres, com muito poucos cidadãos que lutem, com denodo, pela liberdade. As novas tecnologias de informação são um elemento precioso para as manipulações das sociedades.
         Todas as grandes questões sociais, hodiernas, dependem da existência, ou da gradação de ausência, dos elementos da trilogia. A realização pessoal, e digna, de cada indivíduo é cada vez mais perturbada, e posta em causa, por forças opressoras ás garantias e direitos individuais, porque estes são escolhos nos interesses que professam essas forças. Começar-se-ia pela família. Hoje uma instituição desfigurada, sufocada e agonizante. Porque, actualmente, a sobrevivência dos indivíduos, perante o trabalho e os interesses financeiros, leva-os a sacrificarem não só a constituição de famílias novas, como a, quando já constituídas, penalizarem o conforto e desenvolvimento harmonioso de todos os membros da família. A consequência permanente é o ruir da estrutura familiar, a interrupção da passagem do testemunho de valores, a não formação sã dos caracteres dos filhos e banalização do entendimento da trilogia saída da Revolução Francesa. A sobrevivência torna os cidadãos rudes, egoístas e desvalorizados. Tudo o que é incompatível com a igualdade e a fraternidade. Chegou-se ao início do século XXI com a liberdade, a igualdade e a fraternidade como meras figuras de retórica. Duas outras grandes questões sociais soçobraram à voracidade dos interesses do real poder, que nunca coincide com os poderes públicos: a instrução pública e a saúde. A instrução foi sendo degradada, num percurso que atendesse aos interesses do poder real, de forma a ser mais manobrável, e menos dispendioso, a manipulação das sociedades. E assim poderem diluir a liberdade geral, sobretudo a do pensamento, já que a pressão sobre sobrevivência, naturalmente, se encarrega de degradar, a já, anteriormente, frágil igualdade e estéril fraternidade. A saúde é um instrumento para se lapidar as arestas de resistência. Para além de ser um excelente meio de enriquecimento do poder real, e depauperamento das populações e dos poderes políticos. Outra grande questão social hodierna é o empobrecimento. Mas isso é sobrevivência. As sociedades sujeitam-se a empobrecer, cada dia mais, na esperança, fortuita, da sobrevivência. Poder-se-ia invocar que algumas sociedades estão melhorando, não estão empobrecendo. O que é um facto, pois estão, felizmente, a melhorar a sua capacidade económica. Mas é uma quimera com um preço. Não alcançam mais liberdade, não almejam igualdade e, também, não protagonizam fraternidade. Quando a aplicação do princípio dos vasos comunicantes se concluir, todos estarão no sufoco para onde foram canalizados.
         Como contrariar a pressão do sufoco que está sendo feito sobre os direitos e as garantias dos cidadãos, de uma forma geral? Lutando contra a pressão. O que só será possível se os cidadãos, consciente e íntegros, não sucumbirem às tentações das ambições, e não venderem os seus valores. Não só os cidadãos mas instituições, públicas e privadas, que se formaram, ou foram constituídas, para velarem pelos direitos e garantias dos indivíduos. Porque se, como cada vez mais se constata, as instituições forem tomadas por cidadãos que buscam a satisfação das suas ambições, e se predispõem à sujeição dos interesses do poder real, traindo as instituições que os acolheram como membros lutadores de causas, as lutas, integras, pelas causas da liberdade, tornar-se-ão cada vez mais difíceis e menos vitoriosas.
         Nenhuma questão social terá solução se não for conduzida com liberdade. Nenhuma liberdade frutificará se não for assumida como um valor de dignidade humana. Nenhum homem lutará por nenhuma questão social se, perante si, não se assumir como livre. Faz cada vez mais sentido a expressão de Ciprião de Figueiredo, «antes morrer livres do que em paz sujeitos». O mundo vindouro será o fruto que sobreviver da luta pela liberdade contra a opressão do poder real actual. E os valores que se assumem pela liberdade fazem, hoje e amanhã, toda a diferença

Ponta Delgada, 8 de Janeiro, de 2012-01-31

José A. G. Grave

1 comentário:

Anónimo disse...

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