sábado, 4 de abril de 2009

APENAS UMA FACETA


Estou pronto para generalizar a partir da minha experiência pessoal e para admitir que os valores postulados pela teoria económica são, de facto, relevantes para as actividades económicas em geral e para o comportamento dos participantes do mercado em particular. A generalização justifica-se porque os participantes do mercado que não se regem por estes valores sujeitam-se a ser eliminados e reduzidos à sua insignificância pelas pressões da concorrência.
Pela mesma razão, a actividade económica representa apenas uma faceta da existência humana. Muito importante, sem dúvida, mas há outros aspectos que não podem ser ignorados. Para fins imediatos, distingo as esferas económica, política, social e individual, mas não pretendo atribuir grande importância a estas categorias. Facilmente se introduziriam outras. Podia, por exemplo, mencionar a pressão dos rivais, a influência da família ou a opinião pública; mas também podia distinguir entre o sagrado e o profano. O ponto aonde pretendo chegar é que o comportamento económico é apenas um tipo de comportamento e que os valores que a teoria económica toma como dados adquiridos não são os únicos que predominam na sociedade. É difícil ver como poderiam os valores pertencentes a essas diferentes esferas ser sujeitos a cálculo diferencial como curvas de indiferença.
Como se relacionam os valores económicos com outros tipos de valores? Não é uma pergunta a que possa responder-se de maneira universalmente válida e por tempo indeterminado. A única coisa que podemos dizer é que os valores económicos, por si só, não bastam para sustentar a sociedade. Os valores económicos apenas exprimem o que um participante individual do mercado está disposto a pagar a outro por algo em livre troca. Esses valores pressupõem que cada participante é um centro de lucro, orientado para a maximização dos lucros com exclusão de quaisquer outras considerações. Embora a descrição possa ser adequada ao comportamento do mercado, devem existir alguns valores diferentes que, efectivamente, actuem no sentido de sustentar a sociedade, de sustentar a vida humana. Quais são esses outros valores e como podem reconciliar-se com os valores do mercado é uma questão que me preocupa. Mais do que isso, confunde-me. Estudar economia não constitui preparação suficiente para tratar dessa questão - temos de ir para além da teoria económica. Em vez de tomarmos os valores como dados adquiridos, temos de os tratar como reflexivos. Isso significa que valores diferentes prevalecem em condições diferentes e que há um mecanismo de feedback em dois sentidos que os relaciona com as condições reais, criando um caminho histórico único. Devemos, ainda, tratar os valores como falíveis. Isso significa que esses valores que prevalecem num determinado momento da história são susceptíveis de vir a mostrar-se inadequados num momento diferente. Afirmo que os valores de mercado assumiram uma importância no momento da história em que nos encontramos que não corresponde ao que é apropriado e sustentável.
Devo, no entanto, observar que, se quisermos aplicar o conceito de reflexividade tanto a valores como a expectativas, teremos de aplicá-lo de maneira diferente. No caso das expectativas, o resultado serve de verificação da realidade; no caso dos valores, não. Os mártires cristãos não abandonavam a fé nem mesmo quando os atiravam aos leões. Em vez de falarmos de função cognitiva, provavelmente precisaríamos de outro nome, mais emocional, para o feedback da realidade para o pensamento, mas ainda não sei qual é. No entanto, voltaremos mais tarde a esta questão.
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George Soros, in "A CRISE DO CAPITALISMO GLOBAL",1998.

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