sábado, 11 de abril de 2009

A PRIMEIRA MISSÃO


Tendo vestido o alheio, cumpre despi-lo na praça. A primeira vestidura será a do cesarismo centralista que fez do povo com mais possibilidades democratas e maior vocação municipalista que jamais houve no mundo o seguidor apagado e triste de quanta renovação de paganismo e de romanismo a Europa inventou para, primeiro, dominar uma totalidade em proveito de parte, e, depois, em seu próprio proveito, dominar todo o resto da Terra. O que nos pertence, o que nos caracteriza, o que é verdadeiramente nosso, é o achado de uma fórmula política como a dos forais da Idade Média que permitia a um Rei livremente consentido por seu Povo, e não a ele se impondo por força ou manha, governar uma federação de repúblicas. A nossa coragem de recomeçar, porque todo o edifício de ruins alicerces por si mesmo tombará como tombou o primeiro edifício português por não ter havido a coragem de recomeçar Ceuta, tem de se haver com a obra de descentralizar e democratizar a administração e a organização política: Portugal e Brasil têm de restabelecer o poder municipal em toda a sua plenitude, entregando-lhe o fundamental da máquina administrativa, da economia e da educação; nenhum território pode estar sujeito a qualquer espécie de metrópole, nenhum traço de colonialismo pode subsistir, por mais tênue que seja, quer se trate dos territórios ultramarinos portugueses, quer, por exemplo, do Nordeste brasileiro em relação aos Estados do Sul; e a primeira missão que tem de ser confiada à grande língua comum é a de livremente poder dizer a todos os governantes a opinião de quem a fala. Neste ponto, e para além do conceito vulgar, temos todos que crer, e que crer sinceramente, em que é voz de Deus a voz do povo; a qual, como a outra, pode ser brusca e incómoda: mas é realmente salutar.
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Agostinho da Silva, «Condições e Missão da Comunidade Luso Brasileira», in "NOVA ÁGUIA" , Nº3, 1º semestre 2009.

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