sexta-feira, 3 de abril de 2009

PRECISÁMOS. SEMPRE PRECISÁMOS

Não é de um líder forte e autocrático que precisamos. Não. Precisamos, e muito, é de menos mediocridade no seio dos cidadãos.

A isolação de Herculano no remanso estéril do diletantismo bucólico, comprometeu o destino mental d'uma geração inteira. Pelo intenso poder das suas faculdades reflexivas, pela eminência do seu talento, pela autoridade da sua palavra, pela popularidade do seu nome, pela reputação nunca discutida da sua honestidade, ele era o homem naturalmente indicado para assumir o pontificado intelectual do seu tempo. A ausência d'essa autoridade do espirito sobre o espirito foi uma catástrofe para a geração moderna.
Tudo se ressentiu na sociedade portuguesa, com o desaparecimento d'esse alto poder moderador, destinado a ser o núcleo do seu governo moral.
Á tribuna parlamentar nunca mais tornou a subir um homem cuja voz firme, sonora e vibrante levasse até os quatro cantos do país a expressão viril das grandes convicções inflexíveis, dos altos e potentes entusiasmos ou dos profundos e implacáveis desdens. Essa pobre tribuna deserta degradou-se sucessivamente até não ser hoje mais do que uma prateleira mal engonçada com algum lixo e o respectivo copo d’água.
A imprensa decaiu como decaiu a tribuna. Assaltada pelas mediocridades ambiciosas e pelas incompetencias audazes, a imprensa tornou-se um tablado de saltimbancos de feira, convidando o publico a 10 réis por cabeça, para assistir, entre assobios e arremessos de cenouras e de batatas podres, á representação da desbocada comedia, declamada em gíria da matula por personagens sarapintados a vermelhão e a ocre, que mostram o punho arregaçado e sapateiam as tábuas, como em sarabanda de negros e patifes, com os seus pés miseráveis.
A política converteu-se em uma vasta associação de intriga, em que os sócios combinam dividir-se em diversos grupos, cuja missão é impelirem-se e repelirem-se sucessivamente uns aos outros, até que a cada um d'elles chegue o mais frequentemente que for possível a vez d'entrar e sair do governo. Nos pequenos períodos que decorrem entre a chegada e a partida de cada ministério o grupo respectivo renova-se, depondo alguns dos seus membros nos cargos públicos que vagaram e recrutando novos adeptos candidatos aos lugares que vierem a vagar. É este trabalho de assimilação e desassimilação dos partidos, que constitui a vida orgânica do que se chama a política portuguesa.
A arte desnacionaliza-se e afasta-se cada vez mais do fio tradicional que a devia prender estreitamente á grande alma popular.
A opinião publica, marasmada pela indiferença, desabitua-se de pensar e perde o justo critério por que se julgam os homens e os factos.
Se um pensador da alta competência e da grande autoridade de Alexandre Herculano tivesse persistido durante os últimos vinte anos á frente do movimento intelectual do seu tempo, essa influencia teria modificado importantemente o nosso estado social.
Eça de Queiróz & Ramalho Ortigão, in "AS FARPAS", Junho de 1983.

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