segunda-feira, 8 de maio de 2006

TEMPO EXASPERANTE

«Muito nas calmas, vão cavaqueando atrás dos guichés sobre os incríveis disparates que as pessoas do outro lado cometem, o maior dos quais ainda é o próprio facto de lá se deixarem estar, após o que a conversa lentamente deriva para a troca de novidades sobre a tia do António, cujo sobrinho vive na Suíça e descobriu, também ele, um Mercedes que anda a água da companhia. Tal e qual, pazinho. Os tipos mais espertos ainda são os nossos. E o seu olhar perpassa em seguida pelas filas de papalvos à espera, mais compassivo do que nunca.
Antes que se atenda o primeiro da fila, é preciso ainda relatar rapidamente - isto é, com a maior prolixidade possí­vel - a história do priminho a um funcionário superior. Um funcionário superior é, em Portugal, alguém que é mais lorpa que um funcionário inferior. Tem maior dificuldade em ler e soletrar, sendo por isso particularmente competente no con­trolo letra a letra dos formulários que os funcionários seus inferiores preencheram. Essa actividade parece-se, acima de tudo, a um campeonato de corrida de obstáculos para lesmas artríticas. Ainda hoje, e não obstante uma ampla experiência, me não é claro se o funcionário superior controla deveras o trabalho que o funcionário inferior para ele realizou, ou se põe apenas a fisionomia adequada.
Demora um tempo exasperante, isso sim.»
Gerrit Komerij, in "Um Almoço de Negócios em Sintra".

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