Destaco um trecho de "O INTERREGNO - DEFESA E JUSTIFICAÇÃO DA DITADURA MILITAR EM PORTUGAL" de Fernando Pessoa e datado de 1928.
«Já acima esboçámos, em simples exemplo ocasional, qual seja a situação presente de Portugal quanto à sua opinião pública. Concentrados, dos Filipes ao liberalismo, numa estreita tradição familiar, provincial e religiosa; animalizados, nas classes médias, pela educação fradesca, e, nas classes baixas, bestializados pelo analfabetismo que distingue as nações católicas, onde não é mister conhecer a Bíblia para se ser cristão; desenvolvemos, nas classes superiores, onde principal mente se forma a opinião de intuição, a violenta reacção correspondente a esta acção violenta. Desnacionalizámos a nossa política, desnacionalizámos a nossa administração, desnacionalizámos a nossa cultura. A desnacionalização explodiu no constitucionalismo, dádiva que, em reacção, recebemos da Igreja Católica. Com o constitucionalismo deu-se a desnacionalização quase total das esferas superiores da Nação. Produziu-se a reacção contrária, e, do mesmo modo que na Rússia de hoje, se bem que em menor grau, a opinião de hábito recuou par além da província, para além da religião, em muitos casos para além da família.
Surgiu a contra-reacção: veio a República e, com ela, o estrangeiramento completo. Tornou a haver o movimento contrário; estamos hoje sem vida provincial definida, com a religião convertida em superstição e em moda, com a família em plena dissolução. Se dermos mais um passo neste jogo de acções e reacções, estaremos no comunismo e em comer raízes - aliás o términus natural desse sistema humanitário. É este o estado presente dos dois elementos componentes da opinião pública portuguesa.
Ora num país em que isto se dá, e em que todos sentem que se dá, num país onde, sobre não poder haver regímen legítimo, nem constituição de qualquer espécie, não pode, ainda, haver opinião pública em que eles se fundem ou com que se regulem, nesse país todos os indivíduos, e todas as correntes de consenso, apelam instintivamente ou para a fraude ou para a força, pois, onde não pode haver lei, tem a fraude, que é a substituição da lei, ou a força, que é a abolição dela, necessariamente que imperar. Nenhum partido assume o poder com o que se lhe reconheça como direito. Toda situação governante em Portugal, depois da queda da monarquia absoluta, é substancialmente uma fraude. A fraude, pune-a a lei; porém quando a fraude se apodera da lei, tem que puni-la a simples força, que é o fundamento da lei, porque é o fundamento do seu cumprimento. Nisto se funda o instinto que promove as nossas constantes revoluções. Têm-nos elas tornado desprezíveis perante a civilização, porque a civilização é uma besta. Nossas revoluções são, contudo, e em certo modo, um bom sintoma. São o sintoma de que temos consciência da fraude como fraude; e o princípio da verdade está no conhecimento do erro. Se, porém, rejeitando a fraude como fundamento de qualquer coisa, temos que apelar para a força para governar o país, a solução está em apelar clara e definidamente para a força, em apelar para aquela força que possa ser consentânea com a tradição e a consecução da vida social. Temos que apelar para uma força que possua um carácter social, tradicional, e que por isso não seja ocasional e desintegrante. Há só uma força com esse carácter: é a Força Armada.
É esta a terceira Doutrina do lnterregno, a terceira e última justificação da Ditadura Militar.»
Surgiu a contra-reacção: veio a República e, com ela, o estrangeiramento completo. Tornou a haver o movimento contrário; estamos hoje sem vida provincial definida, com a religião convertida em superstição e em moda, com a família em plena dissolução. Se dermos mais um passo neste jogo de acções e reacções, estaremos no comunismo e em comer raízes - aliás o términus natural desse sistema humanitário. É este o estado presente dos dois elementos componentes da opinião pública portuguesa.
Ora num país em que isto se dá, e em que todos sentem que se dá, num país onde, sobre não poder haver regímen legítimo, nem constituição de qualquer espécie, não pode, ainda, haver opinião pública em que eles se fundem ou com que se regulem, nesse país todos os indivíduos, e todas as correntes de consenso, apelam instintivamente ou para a fraude ou para a força, pois, onde não pode haver lei, tem a fraude, que é a substituição da lei, ou a força, que é a abolição dela, necessariamente que imperar. Nenhum partido assume o poder com o que se lhe reconheça como direito. Toda situação governante em Portugal, depois da queda da monarquia absoluta, é substancialmente uma fraude. A fraude, pune-a a lei; porém quando a fraude se apodera da lei, tem que puni-la a simples força, que é o fundamento da lei, porque é o fundamento do seu cumprimento. Nisto se funda o instinto que promove as nossas constantes revoluções. Têm-nos elas tornado desprezíveis perante a civilização, porque a civilização é uma besta. Nossas revoluções são, contudo, e em certo modo, um bom sintoma. São o sintoma de que temos consciência da fraude como fraude; e o princípio da verdade está no conhecimento do erro. Se, porém, rejeitando a fraude como fundamento de qualquer coisa, temos que apelar para a força para governar o país, a solução está em apelar clara e definidamente para a força, em apelar para aquela força que possa ser consentânea com a tradição e a consecução da vida social. Temos que apelar para uma força que possua um carácter social, tradicional, e que por isso não seja ocasional e desintegrante. Há só uma força com esse carácter: é a Força Armada.
É esta a terceira Doutrina do lnterregno, a terceira e última justificação da Ditadura Militar.»
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