sábado, 7 de julho de 2007

O PROVINCIANISMO PORTUGUÊS

É um texto de Fernando Pessoa, datado de 1928. Exponho aqui a a primeira parte desse texto.

«Se, por um daqueles artifícios cómodos, pelos quais simplificamos a rea­lidade com o fito de a compreender, quisermos resumir numa síndroma o mal superior português, diremos que esse mal consiste no provincianismo. O facto é triste, mas não nos é peculiar. De igual doença enfermam muitos outros paí­ses, que se consideram civilizantes com orgulho e erro.
O provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior dela - em segui-la pois mimeticamente, com uma subordinação inconsciente e feliz.
A síndroma provinciana compreende, pelo menos, três sintomas flagran­tes: o entusiasmo e admiração pelos grandes meios e pelas grandes cidades; o entusiasmo e admiração pelo progresso e pela modernidade; e, na esfera men­tal superior, a incapacidade de ironia.
Se há característico que imediatamente distinga o provinciano, é a admi­ração pelos grandes meios. Um parisiense não admira Paris; gosta de Paris. Como há-de admirar aquilo que é parte dele? Ninguém se admira a si mesmo, salvo um paranóico com o delírio das grandezas. Recordo-me de que uma vez nos tempos do Orpheu, disse a Mário de Sá-Carneiro: «Você é europeu e civi­lizado, salvo em uma coisa, e nessa você é vítima da sua educação portuguesa. Você admira Paris, admira as grandes cidades. Se você tivesse sido educado no estrangeiro, e sob o influxo de uma grande cultura europeia, como eu, não da­ria pelas grandes cidades. Estavam todas dentro de si».O amor ao progresso e ao moderno é a outra forma do mesmo caracterís­tico provinciano. Os civilizados criam o progresso, criam a moda, criam a modernidade; por isso lhes não atribuem importância de maior. Ninguém atribui importância ao que produz. Quem não produz é que admira a produção. Diga-se incidentalmente: é esta uma das explicações do socialismo. Se alguma tendência têm os criadores de civilização, é a de não repararem bem na importância do que criam. O Infante D. Henrique, com ser o mais sistemático de to­dos os criadores de civilização, não viu contudo que prodígio estava criando ­toda a civilização transoceânica moderna, embora com consequências abominá­veis, como a existência dos Estados Unidos. Dante adorava Virgílio como um exemplar e uma estrela, nunca sonharia em comparar-se com ele; nada há, toda­via, mais certo que o ser a Divina Comédia superior à Eneida. O provinciano, porém, pasma do que não fez, precisamente porque o não fez; e orgulha-se de sentir esse pasmo. Se assim não sentisse, não seria provinciano

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