«Como chegámos a estas amnésias, a esta memória lacónica, a esse olvido do presente? Que aconteceu para que hoje reine uma tal impotência de uns, um tal domínio de outros, uma tal aquiescência de todos a uma como a outro, um tal hiato? Nenhuma luta, excepto a que reivindica cada vez mais espaço para uma economia de mercado se não triunfante, pelo menos omnipotente e que, é evidente, tem as suas lógicas, mas às quais já não se contrapõe nenhuma outra lógica. Todos parecem participar do mesmo campo, tomar o estado actual das coisas como o estado natural, como o próprio ponto em que a História esperou por nós.
-Não subsiste qualquer apoio aos que não têm nada a perder. Só o outro discurso se faz ouvir, ensurdecedor. Algo de totalitário paira sobre nós. De terrífico. E como únicos comentários os do senhor Homais (1), mais eterno, oficial, solene e plural que nunca. Os seus monólogos. O veneno que guarda.
1. O farmacêutico de Madame Bovary, de Flaubert (N. da T.).
(…)
Para o assalariado, trata-se de estar disponível para todas as viragens e caprichos do destino, neste caso dos patrões. Terá de contar com mudanças constantes de trabalho ( « como quem muda de camisa», diria a ama Beppa). Mas, a troco da certeza de ser atirado «de um emprego para outro», terá uma «garantia razoável» – isto é, nenhuma garantia – «de encontrar um emprego diferente do que perdeu, mas ganhando o mesmo». Tudo isto está carregado de bons sentimentos, mas andar a saltitar de empregos insignificantes para insignificantes empregos não tem nada de novo, e quanto às «garantias razoáveis», desde já se prevê que serão sempre e imediatamente consideradas «não razoáveis» e inexistentes. No entanto, inventou-se uma bugiaria para distrair as massas. Convém não esquecer: empregabilidade.
O termo fará sucesso. Imagina-se o grau de profissionalização desses «empregabilizados», pelo menos o suposto, o grau de interesse que poderão dedicar ao trabalho, o progresso e a experiência que nele adquirirão. A qualidade de peão substituível, de nulidade profissional que lhes será conferi da. E não se trata, de forma alguma, de uma vida de aventura oposta a uma existência de empregado de escritório, mas da acentuação de uma fragilidade que os tomará ainda mais vulneráveis. Com a preocupação sempre renovada da aprendizagem, sem ter grandes hipóteses de vir a ser competentes. Claro, aqui não se põe a questão de uma profissão. Em cada nova tentativa, será preciso actualizar-se, procurar não desagradar a desconhecidos, sem a esperança de fazer amigos ou obter um lugar, uma situação, um estatuto próprio, por mais ínfimos. Muito menos um «local» de trabalho. A existência oscilará sempre entre a obsessão de não perder rapidamente esse posto, mesmo indesejável, indesejado, e a de encontrar outro depois de o perder. Obsessões tais que, apesar das horas de inactividade, não deixarão espaço para outras ocupações, da mesma forma que esse modo de vida, mesmo temperado por uma «garantia razoável», também não as proporá nem permitirá.
Pelo menos, podemos alegrar-nos pelo facto de deixar de ser necessária a existência dos sindicatos em semelhantes paisagens. As mudanças permanentes, a brevidade das estadias em empresas em cujo funcionamento a pessoa não tem tempo de se integrar, limitando-se a estar de passagem, isolada, torná-los-ão inoperantes.»
-Não subsiste qualquer apoio aos que não têm nada a perder. Só o outro discurso se faz ouvir, ensurdecedor. Algo de totalitário paira sobre nós. De terrífico. E como únicos comentários os do senhor Homais (1), mais eterno, oficial, solene e plural que nunca. Os seus monólogos. O veneno que guarda.
1. O farmacêutico de Madame Bovary, de Flaubert (N. da T.).
(…)
Para o assalariado, trata-se de estar disponível para todas as viragens e caprichos do destino, neste caso dos patrões. Terá de contar com mudanças constantes de trabalho ( « como quem muda de camisa», diria a ama Beppa). Mas, a troco da certeza de ser atirado «de um emprego para outro», terá uma «garantia razoável» – isto é, nenhuma garantia – «de encontrar um emprego diferente do que perdeu, mas ganhando o mesmo». Tudo isto está carregado de bons sentimentos, mas andar a saltitar de empregos insignificantes para insignificantes empregos não tem nada de novo, e quanto às «garantias razoáveis», desde já se prevê que serão sempre e imediatamente consideradas «não razoáveis» e inexistentes. No entanto, inventou-se uma bugiaria para distrair as massas. Convém não esquecer: empregabilidade.
O termo fará sucesso. Imagina-se o grau de profissionalização desses «empregabilizados», pelo menos o suposto, o grau de interesse que poderão dedicar ao trabalho, o progresso e a experiência que nele adquirirão. A qualidade de peão substituível, de nulidade profissional que lhes será conferi da. E não se trata, de forma alguma, de uma vida de aventura oposta a uma existência de empregado de escritório, mas da acentuação de uma fragilidade que os tomará ainda mais vulneráveis. Com a preocupação sempre renovada da aprendizagem, sem ter grandes hipóteses de vir a ser competentes. Claro, aqui não se põe a questão de uma profissão. Em cada nova tentativa, será preciso actualizar-se, procurar não desagradar a desconhecidos, sem a esperança de fazer amigos ou obter um lugar, uma situação, um estatuto próprio, por mais ínfimos. Muito menos um «local» de trabalho. A existência oscilará sempre entre a obsessão de não perder rapidamente esse posto, mesmo indesejável, indesejado, e a de encontrar outro depois de o perder. Obsessões tais que, apesar das horas de inactividade, não deixarão espaço para outras ocupações, da mesma forma que esse modo de vida, mesmo temperado por uma «garantia razoável», também não as proporá nem permitirá.
Pelo menos, podemos alegrar-nos pelo facto de deixar de ser necessária a existência dos sindicatos em semelhantes paisagens. As mudanças permanentes, a brevidade das estadias em empresas em cujo funcionamento a pessoa não tem tempo de se integrar, limitando-se a estar de passagem, isolada, torná-los-ão inoperantes.»
Viviane Forrester, in "O HORROR ECONÓMICO"
1 comentário:
Querido Aquiles,
vou seguir o conselho do seu post anterior...
Aliás... um dia destes vou escrever um próprio... as desventuras e aventuras de um amor inesperado :)
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