«Já se sabe que, em Portugal, a memória é um luxo dispensável. Um ano é uma eternidade. E a actualidade vive exclusivamente do momento, da frase do dia, do acontecimento imediato, do último escândalo e da indignação fácil que tudo isto suscita. Nada de essencial sobrevive aos diversos tumultos do dia-a-dia. Uns meses mais tarde, depois de alguns inquéritos inúteis, qualquer destes casos bombásticos está morto e enterrado no sossego dos arquivos. A política, como tudo o resto, não tem passado. Nasce virgem, todos os dias, pronta a estrear um novo caminho, com novos objectivos que exigem novos anúncios e novas e esfusiantes promessas.
Ainda esta semana, a propósito do QREN (Quadro de Referência Estratégico Nacional), apresentado com pompa e circunstância pelo primeiro-ministro, se viu, mais uma vez, como as velhas e estafadas promessas de sempre se transformam, com uma encenação apropriada, em novos e reluzentes anúncios sobre as prioridades do Governo e o futuro radioso da pátria.
(…)
O Governo insiste na racionalização dos recursos e na necessidade de diminuir a despesa pública, mas recusa-se a ver que, sem o acesso à qualidade, nem a quantidade se consegue manter. Ao fim de vinte e tal anos de fundos europeus e de anúncios sucessivamente ultrapassados, dá ideia que voltámos à estaca zero. E que já perdemos esta última oportunidade que agora supostamente se nos apresenta. A Finlândia do eng. Sócrates, como a Irlanda com que sonhou o eng. Guterres, são miragens, cada vez mais distantes. E quanto mais esta distância aumenta, mais a política de betão do prof. Cavaco Silva deixa de fazer qualquer sentido. Pelo caminho, e feitas as contas, temos, pelo menos, vinte e tal anos perdidos.»
Constança Cunha e Sá, no Público de 19.01.2007, aqui.
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