terça-feira, 5 de junho de 2007

NENHUM POVO SE DESPERSONALIZA DE FORMA TÃO MAGNÍFICA

«Os sensacionistas portugueses são originais e interessantes porque sendo estritamente portugueses, são cosmopolitas e universais. O temperamento português é universal: é essa a sua magnífica superioridade. O único grande acto da história portuguesa - esse longo, cauteloso, científico período dos Descobrimentos - é o grande acto cosmopolita da história. Nele se retrata o povo inteiro. Uma literatura original, tipicamente portuguesa, não pode ser portuguesa, porque os portugueses típicos nunca são portugueses. Há algo de americano, fora o ruído e o quotidiano, no temperamento intelectual deste povo. Nenhum povo se apropria tão prontamente das novidades. Nenhum povo se despersonaliza de forma tão magnífica. Essa fraqueza é a sua grande força. Esse não-regionalismo temperamental o seu desusado poder. É essa indefinição da alma que o define.
Porque o que os portugueses têm de excelente é serem o povo mais civilizado da Europa. Nascem civilizados, porque nascem capazes de aceitar tudo. Nada têm daquilo a que os antigos psiquiatras costumavam chamar misoneísmo, termo que apenas significa aversão às coisas novas; adoram a novidade e a mudança. Não possuem elementos estáveis, como os franceses, que só fazem revoluções para exportação. Os portugueses estão sempre a fazer revoluções. Quando um português se vai deitar faz uma revolução, porque o português que acorda no dia seguinte é muito diferente.
Tem precisamente mais um dia, muito distintamente mais um dia. Outros povos acordam todas as manhãs como se fosse ontem. O amanhã está sempre a vários anos de distância. Não é assim com esta estranha gente. Vai tão depressa que deixa tudo por fazer, incluindo andar depressa. Nada é menos preguiçoso do que um português. A única parte indolente do país é a trabalhadora. Daí a sua manifesta falta de progresso
Fernando Pessoa, in " PROSA INTIMA e de autoconhecimento"

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