«Passava ali a vida, sentada no meu cubículo, o meu local de engorda, um espaço com apenas 2 metros quadrados demarcado por duas mesas de fórmica dispostas em forma de L. Dei cabo da vista em virtude de passar os dias a esforçá-la, cega pela luz fantasmagórica do computador, e a claridade excessiva das lâmpadas halogéneas e a constante inclinação forçada sobre o teclado provocaram-me umas dores de costas espantosas. Duas dioptrias e escoliose, assim, de uma vez só. E tudo por um salário de merda porque, como esta vossa criada era estudante, tinham-lhe feito um contrato à experiência, o que, em língua de gente, quer dizer que vergava a mola como os restantes mas ganhava muito menos. E isso não era o pior. O pior era o gado com que tinha de lidar diariamente. O pior eram aquelas secretárias repintadas, empoleiradas nos seus Gucci de imitação, com o cabelo transformado em fibra de estopa graças aos modeladores e às madeixas douradas, que nunca na vida tinham lido outra coisa para além da Supertele e da Diez Minutos, que só sabiam falar do filme que tinham visto na televisão na noite anterior e do novo namorado da Chabeli e dizerem mal umas das outras. O pior era aquele chefe de pessoal que afirmava que tinha de se reintroduzir a pena de morte para acabar de vez com o terrorismo e que ficava a olhar-me para as mamas, com o maior descaramento, cada vez que subíamos juntos no elevador. O pior eram aqueles delegados comerciais que chegavam todas as manhãs ao escritório precedidos por uma baforada de colónia barata, com os seus fatos mal cortados modelo Emidio Tucci comprados no Corte Inglês, que lhes faziam saliências nas virilhas e rugas nos ombros, e que lhes ficavam sempre demasiado curtos ou demasiado compridos – escravaturas do pronto-a-vestir, quando uma pessoa não tem dinheiro para comprar um fato por medida mas gostaria de aparentar que sim.»
Lucia Etxebarria, in "Amor Curiosidade Prozac e Dúvidas".
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