«Por outro lado, a insistência mórbida na "auto-estima" nacional é a prova da sua imensa fragilidade. A "auto-estima", tal como é definida pelos seus principais teóricos, é um produto pouco fiável, com tendência a desvanecer-se ao menor contacto com a realidade. Na maior parte dos casos, não é mais do que um "intervalo" no triste quotidiano em que vivemos ou um legítimo "escape" que nos permite fugir, durante algum tempo, à desagradável situação em que nos encontramos. Um mês de folclore desportivo transforma-se assim num bálsamo indispensável para quem vive durante o resto do ano a braços com a crise económica e com o cumprimento do défice. Já sabemos que há vida para além do défice. Infelizmente, parece não haver vida para além do futebol. É evidente que o futebol não tem culpa e que a selecção não pode ser responsabilizada pelas notórias deficiências do país que lhe caiu em sorte. Mas a euforia que se gera em torno da "equipa das quinas" devia dar cabo da "auto-estima" de qualquer português responsável. Não por causa da emoção do jogo ou do entretenimento que este proporciona. Mas porque a onda de patriotismo e o espectáculo que proporciona assentam na ilusão de que Portugal se redime e se vinga dos "grandes" com duas chuteiras nos pés e uma vitória no Mundial. Nos anos 90, ainda vivíamos a ficção de um país a caminho do desenvolvimento. Agora passámos a ser os "pobrezinhos" do campeonato que não sabem jogar "fora do campo". Não temos influência, poder, riqueza ou licenciados (como os franceses se lembraram de registar). Em contrapartida, segundo o prof. Rebelo de Sousa, fervemos de "auto-estima", depois dos resultados da selecção. Resta saber o que é que vamos fazer com ela, agora, que o Mundial acabou e que o país retoma, corajosamente, o contacto com a realidade. Discutir o fracasso do Simplex? A remodelação que, entretanto, se realizou? As previsões do Banco de Portugal? A ausência do dr. Marques Mendes? A reforma da Segurança Social? O melhor é ir de férias e deixar este tipo de problemas para Setembro, quando o calor deixar de apertar.»
Constança Cunha e Sá, hoje no Público.
Sem comentários:
Enviar um comentário