terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

A CRISE MORAL DOS PORTUGUESES

«Para além de tudo, paira o problema mais grave. Assume maior serie­dade, como se procurou sublinhar nas páginas que ficam para trás, a crise moral que os Portugueses atravessam. Como se manifesta? Por mil modos: pela recusa de ver os múltiplos perigos que os ameaçam; pela aceitação e procura constante da opção mais fácil; pela indiferença perante valores nacio­nais, sejam a língua ou as fronteiras, sejam a cultura ou a história, sejam a própria soberania e a independência; pela convicção generalizada de que é irreversível e inevitável (como se em história houvesse o que quer que fosse de irreversível ou de inevitável, salvo o que depender de uma vontade firme) fazer o que os outros pretendem, ou legislam, ou recomendam; pela apli­cação de conceitos que os grandes países imaginam ou propõem (mas que não aceitam para si mesmos); pela submissão passiva e inconsciente, e até alegre e eufórica, aos interesses de terceiros (como se já fossem também os dos Portugueses); pela insensibilidade perante quanto destrói ou pode destruir a raiz portuguesa e põe em causa o próprio cerne da nacionalidade; e enfim pela euforia, tão pueril quanto oportunista, tão crédula quanto mate­rialista, com que se deixa arrastar na onda do internacionalismo, do inte­gracionismo, na suposição de que os outros também o fazem, e sobretudo na crença de uma vida fácil e rica, que o será sempre e sem esforço, e seja qual for a origem da riqueza, seja qual for a subordinação criada. E neste transe os Portugueses parecem esquecer três aspectos fundamentais: Portugal não tem tipicidade suficiente para enfrentar sem defesa forças que atingem o seu cerne, e resistir-lhes, e sobreviver, continuando a ser Portugal; tem uma vulnerabilidade de interesses vitais (5) que lhe consente apenas muito reduzido espaço de manobra, pelo que o seu comportamento perante terceiros tem de ser cauteloso e não pode sofrer desvios de monta; e não pode por isso cometer erros históricos, sob pena de ser esmagado e absor­vido pelo turbilhão de forças exteriores. Tudo quanto Portugal perder, ou alienar, ou lhe for tomado, é irrecuperável: em termos territoriais, políticos ou económicos. Por outro lado, tanto que se prolonga esta viragem, de que se ocupam os Portugueses – na sua vida colectiva e na sua intervenção polí­tica? Afigura-se exacta esta síntese: empenhando-se em tudo que é secun­dário e discutindo tudo o que é processual; preocupando-se com o que é imediato ou pessoal, ou de grupo, ou de partido; e transformando em problemas nacionais o que não passa de subtileza adjectiva. E deste modo parece de dizer que ou retomamos às raízes e retomamos a linha segura do nosso destino – ou seguimos pelo caminho de Bizâncio – substituindo os factos nossos pelos mitos dos outros.


(
5) Os Estados Unidos da América podem perder uma guerra do Vietname: sofrem um trauma nacional; mas os seus interesses vitais não foram atingidos. A França pode perder uma guerra, e ser ocupada, e sofrer graves prejuízos; mas continua a ser a França, porque não fo­ram afectados os seus interesses vitais. O mesmo sucede com uma Alemanha, ou um Japão, ou com aqueles países cuja independência está ligada a necessidades de equilíbrio entre os grandes. Nenhum daqueles é o caso de Portugal
Franco Nogueira, in "Juízo Final".

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