Leitor de bom senso. É assim que Eça, em Maio de 1871, se dirige aos seus leitores para lhes dizer o seguinte:
«O País perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos e os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido, nem instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não existe nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Já se não crê na honestidade dos homens públicos. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos vão abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima a baixo! Todo o viver espiritual, intelectual, parado. O tédio invadiu as almas. A mocidade arrasta-se, envelhecida, das mesas das secretarias para as mesas dos cafés. A ruína económica cresce, cresce, cresce... O comércio definha. A indústria enfraquece. O salário diminui. A renda diminui. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo. Neste salve-se quem puder a burguesia proprietária de casas explora o aluguel. A agiotagem explora o juro.
De resto a ignorância pesa sobre o povo como um nevoeiro.
(…)
Não é verdade, leitor de bom senso, que neste momento histórico só há lugar para o humorismo? Esta decadência tornou-se um hábito, quase um bem-estar, para muitos uma indústria. Parlamentos, ministérios, eclesiásticos, políticos, exploradores, estão de pedra e cal na corrupção.»
De resto a ignorância pesa sobre o povo como um nevoeiro.
(…)
Não é verdade, leitor de bom senso, que neste momento histórico só há lugar para o humorismo? Esta decadência tornou-se um hábito, quase um bem-estar, para muitos uma indústria. Parlamentos, ministérios, eclesiásticos, políticos, exploradores, estão de pedra e cal na corrupção.»
Eça de Queiróz, in "Uma Campanha Alegre"
Sempre assim se constatou. Este texto é muito actual. Não é Portugal que está na mesma. Os portugueses é que são os mesmos e não têm emenda. Ou melhor, nunca se querem emendar. Acham que sobrevivem no limiar no desenrascanço. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Lembram-se dos alunos do 12º ano de Guimarães? Lembram-se dos que elegem autarcas cuja prática ...? Pois é. O Eça já tinha visto isto tudo. Por isso também podem saber, e bem, como é que que vai acabar, ciclicamente, o país.
1 comentário:
Eça da terra de meu pai...
deixando um beijinho doce....
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