quinta-feira, 9 de novembro de 2006

NEM TODOS SABEM, NEM TODOS.

«Para ensinar há uma formalidade a cumprir – Saber.» Eça de Queiroz

Ele há tanta gente por aí sem cumprir esta formalidade.

Hoje, se fosse vivo, faria anos Carl Sagan, autor da frase que serve de mote a este blog. Ele era um homem de SABER. A sua sabedoria ainda nos permite, e permitirá, tomar conhecimento do saber ou de como o alcançar. Ainda de “Um Mundo Infestado de Demónios” transcrevo mais um trecho.

«Os antigos Jónios foram os primeiros de que temos conhecimento a afirmarem sistematicamente que são as leis e as forças da natureza, e não os deuses, as responsáveis, pela ordem e mesmo pela existência do mundo. Nas palavras de Lucrécio, «A natureza, liberta do jugo dos seus senhores altivos, faz todas as coisas espontaneamente, por si só, sem a interferência dos deuses». Porém, excepto na primeira semana dos cursos de Introdução à Filosofia, os nomes e as ideias dos primeiros jónios quase nunca são mencionados na nossa sociedade. Aqueles que põem de parte os deu­ses tendem a ser esquecidos. Não ansiamos por preservar a memória desses cépticos, e muito menos as suas ideias. Os heróis que tentam explicar o mundo em termos de matéria e de energia podem ter surgido muitas vezes em muitas civilizações, só para serem esquecidos pelos sacerdotes e filósofos que tinham a seu cargo a sabedoria convencio­nal, tal como a abordagem jónica se perdeu quase por completo depois da época de Platão e Aristóteles. Com muitas civilizações e tentativas deste tipo, é possível que só em raras ocasiões a ideia ganhe raízes.
As plantas e os animais foram postos ao serviço do homem e a civilização só teve início há 10000 ou 12000 anos. A abordagem jónica tem 2500 anos. E foi quase eliminada por completo. Podemos ver passos em direcção à ciência na China e na Índia antigas, bem como noutros lugares, embora vacilantes, incompletos e produzindo menos frutos. Mas imagine-se que os Jónios nunca tinham existido e que a ciência e a matemática gregas não se tinham desenvolvido. Seria possível que a ciência não tivesse aparecido na história da espécie humana? Ou, dada a grande quantidade de civilizações e o emaranhado de alternativas históricas, não é provável que a combinação exacta de factores se tivesse verificado noutro sítio qualquer, mais cedo ou mais tarde – nas ilhas da Indonésia, por exemplo, ou nas Caraíbas, nas imediações de uma civilização meso-americana não alcançada pelos con­quistadores, ou em colónias escandinavas nas margens do mar Negro?Julgo que o impedimento ao pensamento científico não é a dificul­dade do tema. Até nas civilizações oprimidas se verificam proezas intelectuais complexas. Os xamãs, os mágicos e os teólogos são alta­mente dotados nas suas artes imbricadas e secretas. Não, o impedi­mento é político e hierárquico. Nas civilizações onde não existem desafios desconhecidos, externos nem internos, onde não é necessária uma alteração fundamental, as ideias novas não precisam de ser enco­rajadas. Na realidade, as heresias podem ser declaradas perigosas, o pensamento pode tomar-se rígido; e podem ser aplicadas sanções con­tra as ideias proibidas – tudo isto sem provocar grandes danos, Mas, em circunstâncias ambientais, biológicas ou políticas que sofreram, alterações e que se encontram em mutação, a simples cópia dos antigos usos já não funciona. Nessa altura há um prémio à espera daqueles que, em vez de se limitarem a seguir a tradição, ou de tentarem impor as suas preferências sobre o universo físico ou social, estão abertos ao que o universo ensina.
Cada sociedade tem de decidir onde se encontra a segurança no continuum entre abertura e rigidez

2 comentários:

Anónimo disse...

Bom teres recordado um dos grandes espíritos do século XX. Um abraço.

PAH, nã sei! disse...

"O MESTRE", forma carinhosa que utilizo sempre que falo desse grande "sonhador"...

«Para ensinar há uma formalidade a cumprir – Saber.»

Penso que Eça se terá esquecido de uma outra "formalidade": sonhar...

Porque não fazer sentir e sonhar, aqueles que nos entregam para ensinar o "saber"?