sexta-feira, 6 de outubro de 2006

BOA PERGUNTA


«A maioria dos promotores e convidados da convenção tinha uma só coisa em comum: nas suas actividades, estão geralmente entre os mais bem sucedidos. Não eram as vítimas do corrente modelo social: os que abandonaram as escolas, os que estão desempregados, os que são utentes de maus serviços públicos. Mas foi por causa destes que os promotores da convenção estiveram no Beato. Porquê? A eles, o statu quo serve-lhes perfeitamente. E, no entanto, moveram-se, deram a cara, vieram submeter-se à suspeita e ao ridículo de que é feita a cortina de ferro com que em Portugal se impede qualquer tipo de intervenção cívica. Como designar este impulso para sair do seu cantinho e discutir na praça pública com os outros cidadãos? Antigamente, chamava-se a isto "patriotismo" - era o que definia o cidadão, a consciência de que, por mais próspera que fosse a sua vida privada, tinha a obrigação de se preocupar com o bem da comunidade. Não se pode falar agora de "patriotismo". Mas também não parece bem actuar patrioticamente. Vivemos num meio que ainda aceita mal a iniciativa do cidadão independente e que não se convenceu de que a pluralidade de opiniões e a controvérsia são indispensáveis ao dinamismo e à criação de oportunidades.Daí a quantidade de gente que passou duas semanas à procura de um veneno para o Beato. Alguns descobriram-no, euforicamente, na severidade de um relatório do Fórum de Davos sobre a competitividade das empresas portuguesas. O Estado em Portugal foi declarado certo, competitivo e fulgurante. Quem está mal são os cidadãos, a quem não se pode confiar a gestão eficiente das suas propriedades. O que é que se vai descobrir a seguir? Talvez que as escolas públicas são excelentes e que os alunos é que são burros. Terão os entusiastas portugueses de Davos percebido a ladeira que começaram a descer? Se não se pode confiar nos cidadãos para criar riqueza e cooperar entre si como iguais, porquê confiar neles para eleger governantes e autarcas? Alguém quer responder
Rui Ramos, no Público de 04.10.2006

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