quarta-feira, 18 de outubro de 2006

MODERNISMO

O modernismo antimoderno

«É necessário ser-se completamente moderno", escreveu Arthur Rim­baud. Uns sessenta anos mais tarde, Gombrowicz não estava muito certo de que isso fosse verdadeiramente necessário. Em Ferdydurke (editado na Polónia em 1938), a família Lejeune é dominada pela filha, uma «liceal moderna". É doida por telefones; ignora os autores clássicos; na presença do cavalheiro que se encontra de visita a casa, «limita-se a olhar para ele e, agarrando com os dentes uma chave de fendas que tinha na mão direi­ta, cumprimenta-o com a mão esquerda com a maior das desfaçatezes".
A mãe também é moderna; é membro do «comité para a protecção dos recém-nascidos»; é militante contra a pena de morte e pela liberdade dos costumes; «ostensivamente, com um passo desenvolto, dirige-se aos lavabos", saindo de lá «mais arrogante do que tinha entrado»; à medida que vai envelhecendo, a modernidade torna-se para ela indispensável enquanto única «substituta da juventude".
E o pai? Também ele é moderno; não pensa nada, mas faz por agra­dar em tudo à filha e à mulher.
Gombrowicz reflectiu em Ferdydurke a principal viragem que se pro­duziu durante o século xx: até essa altura, a humanidade estava dividida em duas partes, os que defendiam o status quo e os que o queriam mu­dar; ora, a aceleração da História teve as suas consequências: ao passo que, antigamente, os homens viviam no mesmo cenário de uma sociedade que se ia transformando muito lentamente, chegara entretanto o momen­to em que, de repente, eles começaram a sentir a História movimentar-se sob os seus próprios pés, como se fosse um tapete rolante – o status quo encontrava-se em movimento! De imediato, estar de acordo com o status quo era a mesma coisa do que estar de acordo com a História que se movimenta! Resumidamente, passou a poder ser-se ao mesmo tempo progressista e conservador, conformista e revoltado!
Tendo sido apelidado de reaccionário por Sartre e os seus, Camus encontrou a célebre resposta para aqueles que tinham «colocado a poltrona na direcção da história»; Camus estava certo, somente não sabia que essa preciosa poltrona estava montada sobre rodas e que, desde já há uns tempos a essa parte, toda a gente empurrava para a frente os liceais modernos, as suas mães e os seus pais, da mesma maneira que todos os que se batiam contra a pena de morte, todos os membros dos comités para a defesa dos recém-nascidos e, claro está, todos os políticos que, ao empurrarem a poltrona, viravam as suas faces risonhas na direcção do povo que corria atrás deles e que, por sua vez, também ia rindo, sabendo perfeitamente que só aqueles que se regozijam por serem modernos é que são autenticamente modernos.
Foi então que alguns dos herdeiros de Rimbaud compreenderam esta coisa espantosa: hoje em dia, o único modernismo digno deste nome é o modernismo antimoderno
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Milan Kundera, in "A Cortina".

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