«Seria também útil que o Presidente não se limitasse ao conceito restrito de corrupção. A ideia geral é a de que esta é praticada pelos autarcas, pelos fiscais das câmaras, pelos burocratas encarregados de qualquer forma de licenciamento, pelos empresários do Norte, pelos clubes de futebol e pelos governos regionais. É bem possível que muitos dos citados tenham culpas. Mas o que autoriza a pequena corrupção é a grande. E a carência de justiça repressiva. A grande corrupção situa-se alhures e, pelo clima de impunidade que cria, é um exemplo para muitos. Há sectores na vida pública e práticas na vida económica que configuram crimes, favoritismo e promiscuidade, mas que, protegidos pelos partidos, pelos governos e pelas leis feitas "a feitio", acabam por ser aceites como modos de vencer na vida. As "obras a mais" e os desvios orçamentais nas obras públicas; os concursos públicos "com fotografia"; os grandes negócios de fornecimento de armas e de equipamentos militares, assim como de sistemas informáticos e de telecomunicações; e os processos de licenciamento das grandes superfícies comerciais e de loteamento subsequente são, entre outros, alguns exemplos de situações que parecem viver na legalidade, mas que merecem especial atenção. As nomeações governamentais e partidárias para as empresas e sectores participados; a deslocação de políticos para empresas privadas, designadamente na banca e nos grandes serviços públicos; a livre passagem, com bilhete de ida e volta, do público para o privado; e a constituição de grupos encarregados de preparar as "grandes decisões" e as "grandes obras" são, além de outros, territórios de eleição para a grande corrupção, a que realmente faz mal, a que serve de exemplo. Pior: a que consegue passar perante a opinião como não sendo mais do sucesso lícito e merecido. Se não se for até aí, tudo ficará na mesma. Como é sabido, os pequenos vivem à sombra dos grandes.»
António Barreto, Público de 08.10.2006
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